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Mesa Redonda: Vestibular

Mesa redonda de discussão sobre a situação atual dos vestibulares, experiências alternativas e novas propostas de formato.
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sexta-feira, julho 14, 2006

 

Vestibular em Três Etapas: Uma experiência em andamento na UFPE


Prof. Dr. Alfredo Mayall Simas
Prof. Titular- Universidade Federal do Pernambuco
Diretor do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPE
Leciona, no período atual, a disciplina de formação pré-acadêmica "Introdução à Química" da Terceira Etapa do vestibular da UFPE para os candidatos ao curso de bacharelado em química.

O concurso vestibular às universidades públicas brasileiras possui, além do peso da tradição de uma metodologia que vem sendo aplicada há décadas a milhares de candidatos, uma imagem de grande credibilidade junto à sociedade como um processo público, impessoal e transparente. Tudo isso passa uma percepção de que o vestibular é também um processo de reconhecimento do mérito intrinsecamente justo.

Por outro lado, é de fundamental importância para a universidade pública sua produtividade, para a qual o número de alunos que se formam deveria ser igual ao número de alunos que ingressaram.

O que seria, portanto, o vestibular ideal para uma universidade pública? Certamente aquele que apresentasse à mesma, um conjunto de candidatos selecionados em número igual ao número de vagas e que tivessem uma alta probabilidade de se formarem como profissionais de alta qualidade e no tempo previsto.
O vestibular tradicional atende a essa necessidade da universidade pública?

Diagnóstico

No Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal de Pernambuco, CCEN/UFPE, são oferecidos quatro bacharelados: em Estatística, Física, Matemática e Química. São todos cursos de alta qualidade acadêmica, que eram tradicionalmente avaliados como "A" no provão. Além disso, são oferecidas licenciaturas noturnas em Física, Matemática e Química.

O ambiente acadêmico do CCEN/UFPE é bastante rico, com quatro departamentos: Estatística, Física, Matemática e Química Fundamental, oferecendo aos formandos muitas opções de cursos de pós-graduação: mestrado e doutorado em Estatística, Física, Matemática, Química, Ciência de Materiais e doutorado em Matemática Computacional. Muitos dos seus docentes possuem bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq. O Centro executa ainda um grande número de projetos institucionais, interinstitucionais, sedia redes de pesquisas, e é reconhecido como um centro de excelência e inserção internacional.

Apesar disto, a produtividade de seus bacharelados é baixa: todo ano, em média, 210 calouros são admitidos, apenas 43 concluem o curso e 147 desistem – uma evasão média da ordem de 80%.

Nossos sistemas de iniciação científica e pós-graduação que são de altíssima qualidade e nível internacional necessitam de um grande número de alunos que efetivamente venham a se formar em nossos vários cursos de graduação – o que, infelizmente, não vem ocorrendo a contento e nos deixa bastante preocupados.

A Tabela 1, abaixo, revela a curiosa homogeneidade da evasão nos nossos cursos, tanto nos bacharelados quanto nas licenciaturas, mostrando que o fenômeno da evasão parece independer da área do conhecimento, seja estatística, física, matemática ou química. De fato, suas causas parecem ser comuns.

Porém, longe de ser uma peculiaridade da UFPE, este fenômeno da evasão da ordem de 80% parece ser bem mais geral.
No documento de 2001 da Sociedade Brasileira de Matemática intitulado Panorama dos Recursos Humanos em Matemática no Brasil: Premência de Crescer
http://www.sbm.org.br/files/panmat.pdf pode-se ler:
Estes números, se comparados com o número de ingressantes/ano, sugerem alta porcentagem de evasão dos cursos de graduação. É fato conhecido na comunidade matemática que esta taxa é próxima de 75%.

Tal documento foi preparado em 2001 por especialistas da USP (São Carlos), Universidade do Ceará, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal Fluminense, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Laboratório Nacional de Computação Científica e Instituto de Matemática Pura e Aplicada.

Longe de ser um problema pernambucano, o fenômeno da evasão da ordem de 75% parece ser, no mínimo, um problema brasileiro.


A Primeira Tentativa de Intervenção: Disciplinas Introdutórias

O Ministério da Educação divulgou em 2003 os resultados preliminares do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica http://www.inep.gov.br/download/saeb/2004/resultados/BRASIL.pdf
(Saeb) realizado, em parceria com os Estados da Federação, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC). Os dados foram coletados em novembro de 2003 por meio da aplicação de testes e questionários a estudantes das 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio.

Os resultados do SAEB são alarmantes: indicam que, em língua portuguesa, 39% dos concluintes do ensino médio não apresentam desempenho que possa ser considerado adequado. Já em matemática, 69% dos estudantes brasileiros concluintes do ensino médio apresentam níveis de aprendizagem em matemática absolutamente inaceitáveis.

Comparativamente, o ensino superior nas universidades públicas brasileiras é de alta qualidade, muitas vezes igualando ou até mesmo superando o de congêneres dos países desenvolvidos.


Assim, parece lógico imaginar que a causa da retenção e evasão dos alunos nos ciclos básicos dos cursos de graduação da área de ciências exatas vem precisamente deste desnível.

De fato, cerca de metade dos calouros do ciclo básico da área de exatas na UFPE, aprovados no vestibular de 2001 e 2002, apresentaram nota menor do que 2.0 em todas as disciplinas da segunda etapa do vestibular. Isto indica que a segunda etapa do vestibular provavelmente possui um poder discriminador de competências dos candidatos muito baixo, devido à estreita faixa da escala de notas onde os resultados das inúmeras centenas de candidatos se acumulam.

Em decorrência, entre 2001 e 2004, foram introduzidas no ciclo básico das áreas de exatas da UFPE três disciplinas introdutórias, com conteúdo de transição entre o ensino médio e o universitário: Introdução à Matemática, Introdução à Física e Introdução à Química. Todos os candidatos aprovados no vestibular que estivessem no último quartil de notas da segunda fase, em cada uma das disciplinas do vestibular: física, matemática e química, foram instruídos a fazer as introdutórias correspondentes.

Nas figuras 1 a 3, são apresentadas a evolução da média das notas dos alunos nas disciplinas subseqüentes às introdutórias, onde o quadrado em magenta representa a média final dos alunos que fizeram a introdutória correspondente no semestre anterior para o ano de 2001 – o primeiro em que as introdutórias foram aplicadas. O triângulo amarelo representa a média das notas dos alunos que não fizeram introdutórias e que foram direto do vestibular para Física 1, Cálculo 1 e Química 1.

Figura 1
Figura 2
Figura 3

Os resultados foram animadores no sentido de que os alunos que fizeram as introdutórias passaram a ter, na disciplina correspondente subseqüente, um desempenho acima da média dos outros alunos. Portanto, apesar de terem passado no vestibular no último quartil, seu desempenho foi bem superior à média dos alunos cujas notas se situavam nos quartis superiores – tornando-se alunos até mais atraentes para programas de iniciação científica do que os que não haviam feito as introdutórias.

O grande valor das disciplinas introdutórias foi justamente o de constatar aquilo que se esperava: que ensinar o aluno que apresenta deficiência, faz com que o mesmo aprenda. Entretanto, no que respeita os índices de evasão e retenção, não foram percebidas mudanças significativas.

Foi ficando cada vez mais claro que os reais motivos que levavam à retenção e à evasão eram bem mais complexos do que se imaginava: claramente transcendiam o mero desnível entre o ensino médio e o superior.

É fato que uma nota bem mais alta no vestibular geralmente significa maior probabilidade de sucesso nas primeiras disciplinas do curso universitário do que uma nota bem mais baixa.
Entretanto, isto não é verdadeiro para notas próximas que são as típicas dos candidatos aprovados para um determinado curso. Ou seja, notas um pouco maiores não necessariamente implicam em maior probabilidade de sucesso nas primeiras disciplinas do curso universitário quando comparadas a notas um pouco menores.

Mais grave ainda: começou-se a suspeitar que a nota do vestibular de um dado aluno não parece ser de nenhuma forma um preditor confiável de que o aluno irá eventualmente terminar seu curso e se formar: uma percepção desconcertante para quem até então acreditava que a nota do vestibular era uma evidência de mérito, uma medida da probabilidade de sucesso acadêmico.

Foi ficando cada vez mais evidente que o vestibular tradicional apresentava inadequações como instrumento de seleção para os objetivos de uma universidade pública.

Causas Intangíveis da Evasão

Descobrimos que estava faltando avaliar variáveis subjetivas que o vestibular tradicional não tem nenhuma condição de fazer, como por exemplo:

A capacidade de freqüência do aluno às aulas por todo um semestre;
A vocação e o talento do aluno para a estatística, matemática ou química;
A motivação do aluno para o estudo de nível superior;
A autonomia do aluno enquanto estudante universitário.

Muitas vezes o aluno tirava uma boa nota no vestibular, mas depois abandonava o curso pelos mais variados motivos. E detectamos que em sua grande maioria, esses motivos eram perfeitamente legítimos. Por exemplo, o aluno também tinha passado no vestibular de outra universidade e preferiu cursar esta outra; a família do aluno foi transferida para outro estado; o aluno não havia tido informação suficiente sobre a profissão e havia escolhido o curso baseado numa fantasia desconectada com a realidade; no decorrer do primeiro período o aluno havia se desencantado com o curso, por não ter se revelado o que esperava; o aluno mora em uma cidade distante sem condições de viabilizar sua estadia em Recife; o aluno fez o vestibular por pressões externas, mas não valoriza o curso a nível pessoal; o aluno precisa trabalhar muitas horas por dia para ajudar sua família; etc, etc.

Realmente, são inúmeras as justificativas legítimas para abandonar o curso, justificativas estas que nada têm a ver com a nota do vestibular.

Causas intangíveis de evasão que não poderiam ser de forma alguma detectadas pelo vestibular tradicional.
Resultado: vagas públicas ociosas.

O Desempenho no Primeiro Período

Detectamos ainda que grande parte da retenção e da evasão ocorria justamente no primeiro período.

O próprio aluno não sabia ao certo, logo nas primeiras semanas de aula, se o curso era realmente aquele com que sonhava, se seria o curso para o qual tinha aptidão, se iria se adaptar ao tipo de aula, ou à realidade universitária.

A verdade é que as respostas a estas perguntas não estão disponíveis nos primeiros dias de aula. Só a vivência dentro da universidade tem condições de oferecer respostas a estas perguntas.
De fato, não há como esclarecer de forma eficiente o aluno, antes de sua inscrição no vestibular para um de nossos cursos, todos os aspectos da experiência que terá ao entrar na universidade. E isto apesar das open houses que promovemos todos os anos no CCEN/UFPE, recebendo mais de mil alunos de escolas da Grande Recife em nossas instalações, oferecendo cursos, palestras, workshops, etc.

Verificamos que os calouros que são reprovados em três ou mais disciplinas, logo no primeiro período, têm muito menor probabilidade de seguir adiante completando o curso. Já os reprovados em apenas uma disciplina apresentam excelentes chances de recuperação.

Confirmamos que aquele aluno de nossos cursos que passa em todas as disciplinas no primeiro período tem uma altíssima probabilidade de se formar. Praticamente todos eventualmente se formam. Seu sucesso inicial parece gerar uma satisfação que reforça seu sentimento de escolha correta de curso e sua determinação de ir até o final.

Nos perguntamos: - não seria então maravilhoso preencher todas as nossas vagas apenas com alunos que tivessem cursado e passado em todas as disciplinas do primeiro período?

A concretização deste ideal aparece então límpida e cristalina: fazer do vestibular uma simulação do primeiro período com conteúdo de nivelamento e preparação para o mesmo.

Neste vestibular - simulação do primeiro período - daríamos o conteúdo formativo de segundo grau com uma abordagem de nível universitário: matemática com demonstrações rigorosas; e química também chegando à fronteira da ciência contemporânea para reforçar a motivação. Mais ainda, as aulas e as avaliações seriam semelhantes àquelas das disciplinas subseqüentes do curso, sempre num contexto universitário.

Mas como resolver o problema de que apenas uma fração dos alunos terá sucesso nesta simulação do primeiro período, devido às mais variadas causas, como anteriormente exposto?

Este problema foi resolvido adotando a brilhante solução proposta pelo Prof. Ademir Sartim, coordenador do curso de matemática da Universidade Federal do Espírito Santo: receber para esta simulação do primeiro período três vezes mais candidatos do que vagas e selecionar apenas aqueles que tiverem pleno sucesso.

O Vestibular em Três Etapas

Como mencionamos anteriormente, um estudo havia mostrado que cerca da metade dos calouros do ciclo básico aprovados no vestibular de 2001 e 2002 da área de exatas da UFPE apresentavam notas menores do que 2,0 em todas as disciplinas da segunda etapa do vestibular.
Conseqüentemente, estava claro que a segunda etapa do vestibular não apresentava um poder de resolução (de discriminação de competências) suficiente para decidir quais candidatos devem ou não ser aprovados.

A primeira etapa do vestibular, entretanto, apresentava um bom poder de discriminação de competências. Decidimos, portanto, abandonar por completo as provas específicas da segunda etapa: matemática, física e química - por serem pouco úteis.

Criamos, por conseguinte, um vestibular em três etapas, num primeiro momento apenas para os bacharelados em estatística, matemática e química, a saber:

Primeira etapa: igual aos demais.

Segunda etapa: apenas redação, com nota mínima 2,5 em caráter eliminatório.

Terceira etapa: dentre os não eliminados na segunda etapa, três vezes mais candidatos do que vagas são selecionados, exclusivamente pela nota da primeira etapa, para cursarem duas disciplinas de formação pré-acadêmica de 90 horas cada, nas dependências do CCEN/UFPE, ministradas por professores doutores do quadro permanente.

Na terceira etapa todos os candidatos cursam Introdução à Matemática I. Além desta, os candidatos ao Bacharelado em Química cursam Introdução à Química; os candidatos ao bacharelado em Matemática cursam Introdução à Matemática II; e os candidatos ao Bacharelado em Estatística cursam Introdução à Matemática para Estatística.
As ementas das disciplinas estão disponíveis em:
http://www.covest.com.br/vestibular2005/programas_pre.html

São considerados aprovados no vestibular os candidatos com freqüência mínima de 75% em todas as aulas, obrigatoriamente aprovados em ambas as disciplinas (com nota igual ou superior a 5,0 em cada uma) e classificados pela média aritmética das duas disciplinas até o número disponível de vagas.

Durante o período em que o candidato está cursando as disciplinas da terceira etapa, ele não é aluno regular da Universidade, passando a sê-lo apenas caso consiga sua classificação final dentro do número de vagas oferecidas pelo Curso.

O manual de nosso primeiro vestibular 2005 com detalhes das regras e ementas das disciplinas pode ser consultado on-line em: http://www.covest.com.br/vestibular2005/manual.html

O manual do vestibular 2006, com algumas pequenas mas importantes alterações e avanços em relação ao de 2005, pode ser encontrado em http://www.covest.com.br clicando em "Concursos anteriores" no menu superior esquerdo; depois em "Vestibular 2006"; depois ampliando a janelinha que se abre e clicando em "Manual do Candidato".

Os três cursos envolvidos (Bacharelados em Estatística, Matemática e Química) passaram a ser exclusivamente cursos de segunda entrada, visto que no equivalente ao primeiro período ocorre a terceira etapa com as duas disciplinas de 90 horas cada.

O vestibular em três etapas foi aplicado pela primeira vez no CCEN/UFPE no vestibular para entrada em 2005. Os alunos aprovados em 2005 já cursaram e completaram seu primeiro período de nosso ciclo básico e estão neste momento cursando o seu segundo período.

Neste momento, também está ocorrendo a terceira etapa dos candidatos para entrada em 2006. E em breve serão iniciadas as inscrições para o vestibular 2007 neste mesmo formato.

Objetivos do Vestibular em Três Etapas

O objetivo do vestibular em três etapas é selecionar candidatos com alta probabilidade de se formarem, o que é muito mais completo e complexo do que meramente selecionar candidatos que possam vir a acompanhar o ciclo básico da área de exatas.

Com a implantação do vestibular em três etapas, percebemos que também estamos democratizando a forma de acesso aos bacharelados do CCEN/UFPE:

Estamos selecionando, não pelo conhecimento prévio, mas pela capacidade de aprender justamente o conteúdo que achamos importante ensinar e que será de fundamental importância para o sucesso nos seus estudos universitários;
Estamos dando oportunidade a todos que tenham interesse e talento, independentemente de sua formação.
Não estamos privilegiando apenas aqueles que tiveram acesso a boas escolas nos ensinos fundamental e médio.
Diplomando mais alunos, teremos como formar recursos humanos mais numerosos e melhor preparados pelo nosso sofisticado sistema de pós-graduação.
Também estamos aumentando a percepção da relevância de nossos cursos de graduação por parte, tanto da sociedade como um todo, quanto da UFPE, em particular.

E aqueles que não passam na terceira etapa? O conhecimento lá adquirido também será de grande valia em outros concursos que estes candidatos porventura venham a fazer. Por isso, todos são beneficiados, inclusive os alunos que não se adaptam por qualquer motivo e abandonam a terceira etapa. Como aliás teriam igualmente abandonado se tivessem sido aprovados no vestibular, com a diferença de que agora abandonam o vestibular e não a universidade – não gerando nenhuma ociosidade no sistema público de ensino superior.

A Percepção do Vestibular em Três Etapas pela Sociedade

Também aumentou a procura pelos três cursos envolvidos. Em 2005, quando a terceira fase aconteceu pela primeira vez, o curso de bacharelado em química foi o curso mais procurado de todos os cursos do ciclo básico da área de exatas da UFPE: mais de sete candidatos por vaga. Por isso podemos afirmar que a idéia da terceira etapa foi muita bem recebida pelos candidatos.

O Vestibular Tradicional (Primeira Etapa) Prediz o Sucesso do Aluno na Terceira Etapa?

Como mencionamos, normalmente se associa a aprovação no vestibular como resultado de uma avaliação de mérito.
Mas qual mérito é esse? Descobrimos com a experiência que este mérito parece ser tão somente o mérito de passar no vestibular. Um mérito não muito útil para a universidade pública. Por que?

Porque passar no vestibular não implica em se formar. Mais ainda, a nota no vestibular não parece ser um preditor do desempenho na universidade, nem muito menos de sucesso profissional posterior. Ora, supondo que a terceira etapa foi projetada para ser um bom preditor de desempenho no curso universitário, então o sucesso na primeira etapa não deveria correlacionar com o sucesso na terceira etapa. E isto ficou claramente evidenciado nos resultados das terceiras etapas para todos os três cursos do CCEN.

Abaixo, apresento figuras com a correlação entre as notas da primeira etapa e as notas da terceira etapa para os nossos três cursos. Como se pode verificar, a correlação é simplesmente nula em todos os casos, mostrando que isto não é um fenômeno isolado de um curso em particular ou de determinados professores. O fato de a correlação ser nula implica em que o vestibular tradicional parece apresentar um defeito de concepção.

Estudo de Caso: Bacharelado em Química

Considerando que o resultado da Primeira Etapa equivale ao vestibular tradicional, onde se lê Primeira Etapa pode-se entender, para efeito de argumentação, vestibular tradicional.

Como estudo de caso, vejamos o que aconteceu com o vestibular em três etapas para o bacharelado em química em 2005. Haviam 20 vagas, 60 candidatos foram selecionados para a Terceira Etapa, dos quais 20 foram aprovados.

O 1° e o 2° lugar da Terceira Etapa foram o 38° e 30° lugar da Primeira Etapa – teriam sido reprovados pelo vestibular tradicional caso não tivesse havido a Terceira Etapa. Oito candidatos que teriam sido aprovados na Primeira Etapa foram reprovados na Terceira Etapa.
O 2°, 3°, 7º e outros - num total de 9 alunos, quase a metade dos aprovados - vieram da escola pública (normalmente vêm apenas 30%). O 54° colocado na Primeira Etapa foi o 20° na Terceira Etapa.

14 candidatos não fizeram pelo menos uma das duas primeiras provas, destes 6 teriam teriam sido aprovados pela primeira etapa.

20 candidatos abandonaram a Terceira Etapa, destes, 5 teriam vindo da Primeira Etapa.

Para todos os três cursos (estatística, matemática e química), o mesmo padrão aconteceu:
em média, apenas metade dos candidatos aprovados pela Primeira Etapa têm sucesso na Terceira Etapa; muitos dos candidatos que abandonaram a Terceira Etapa teriam sido aprovados pela Primeira Etapa; um número alto de candidatos muito mal classificados na Primeira Etapa se recupera de forma surpreendente na Terceira Etapa; alguns candidatos muito bem colocados na Primeira Etapa, com notas altas e acima de 7.0, são surpreendentemente reprovados na Terceira Etapa; não há qualquer correlação entre notas na Primeira Etapa e notas na Terceira Etapa.

Neste momento já temos dados preliminares com respeito ao desempenho dos aprovados na Terceira Etapa para o curso de Bacharelado em Química nas disciplinas do primeiro período.

No primeiro período, os alunos do curso de Bacharelado em Química devem fazer as seguintes quatro disciplinas: Cálculo 1, Geometria Analítica, Física 1 e Química Geral 11.

Os resultados do primeiro período encontram-se na Tabela 2 abaixo. Claramente houve um enorme e significativo progresso em termos de alunos aprovados nas disciplinas no ano 2005, com o vestibular em três etapas, quando comparado à média dos anos anteriores.

À percentagem de alunos que não conseguiram ser aprovados em pelo menos três das quatro disciplinas denominamos "ineficiência do processo seletivo". Observe como a ineficiência antes da introdução do vestibular em três etapas, em média 74%, é comparável ao percentual médio de evasão do curso apresentado na Tabela 1 que é 80%. Com a introdução do vestibular em três etapas, a ineficiência caiu para 33%. Caso esta correlação venha a se comprovar como verdadeira, podemos imaginar que ocorrerá um drástico aumento no número de alunos que irão se formar daqui a quatro anos.

Estes resultados ainda são preliminares. Apesar dos indícios animadores apresentados na Tab. 2, precisamos efetivamente aguardar ainda quatro anos para uma verdadeira avaliação do valor do vestibular em três etapas na UFPE.

Tabela 2 – Os dados referem-se ao número de alunos aprovados no vestibular cursando o primeiro período. A ineficiência do processo seletivo é definida como a porcentagem dos alunos que não conseguiram ser aprovados em pelo menos três das quatro disciplinas do primeiro período. *O número de aprovados em três disciplinas inclui o número de aprovados em quatro disciplinas.

Acima, havíamos mencionado que o vestibular tradicional não apresentava correlação com o desempenho dos candidatos na terceira etapa, a qual foi projetada para ser uma simulação da realidade dentro da universidade.

Cabe, portanto, a pergunta: o resultado do vestibular em três etapas é um preditor confiável do desempenho dos alunos no primeiro período da universidade?
Ou seja, o resultado da terceira etapa apresenta uma boa correlação com o coeficiente de rendimento dos alunos no primeiro período?
Uma correlação muito melhor foi encontrada, com R2 = 0.50, como mostra o gráfico abaixo.
Esta correlação, caso seja confirmada de forma mais geral, inclusive poderá eventualmente vir a autorizar o uso do vestibular em três etapas como uma forma de dimensionar corretamente o número de vagas que devem ser oferecidas ao público anualmente para um determinado curso, face à sua demanda qualificada.

A Nova Forma de Ingresso da UFES

Em 17 de julho de 2003, em Recife, durante a 55ª Reunião Anual da SBPC, o coordenador do curso de matemática da Universidade Federal do Espírito Santo, Prof. Ademir Sartim (matematica@prograd.ufes.br), participou de uma mesa redonda sobre formas de ingresso na universidade, onde relatou uma experiência bem sucedida, testada e reproduzida por mais de cinco anos seguidos pelos cursos de matemática (bacharelado e licenciatura) e estatística (bacharelado) de sua universidade.

Em 10 de outubro do mesmo ano, o Prof. Sartim voltou à UFPE, quando apresentou no auditório do CCEN uma palestra sobre esta nova forma de ingresso para nossos professores. Seu relato encontra-se publicado na forma de um artigo na revista Matemática Universitária, 32, 49-59 (2002), cuja leitura recomendamos fortemente.

Suas idéias serviram de forte inspiração e motivação para que viéssemos a adotar este processo seletivo de vestibular em três etapas em nossa universidade e que é essencialmente o mesmo que o adotado para os cursos de bacharelado e licenciatura em matemática da UFES.

Biografia acadêmica: Bacharel em Química (PUC/RJ, 1975), Mestre em Química (Unicamp, 1977), Ph.D. (Queen's University, Canada, 1982). Desde 1985 é professor do Departamento de Química Fundamental da UFPE, onde atualmente é professor titular. Realiza pesquisas na área de química teórica, mais especificamente em arquitetura molecular no desenvolvimento e aplicação de modelos semi-empíricos em química quântica, tendo publicado mais de 90 artigos em periódicos internacionais. Desde 2000 é diretor do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPE e leciona, no período atual, a disciplina de formação pré-acadêmica "Introdução à Química" da Terceira Etapa do vestibular da UFPE para os candidatos ao curso de bacharelado em química.

Comments:
Louvável que pelo menos 75% dos departamentos do CCEN-UFPE (só não foram 100% porque os físicos são arrogantes) terem aderido a tal iniciativa. Triste ver quer os cursos que mais precisam de tal empreendimento, no caso as licenciaturas, não entraram na brincadeira vindo de encontro a idéia original do professor Sartim, diga-se de passagem, pessoa que demonstrou muita humildade e amorosidade em sua palestra no CCEN-UFPE.
 
Brilhante post.
 
Fica claro pela sua exposição que o grande problema é a evasão, e que existem fatores imponderáveis (doenças, mudanças de opinião sobre vocação, mudancas de domicílio etc) que nunca serão controlados ou minimizados.
Pergunta 1: Será que podemos entender o vestibular com terceira etapa como uma espécie de "overbooking", ou seja, estima-se a taxa de evasão inevitável e amplia-se o numero de vagas nos anos iniciais - ou no semestre inicial como no caso relatado por você - de modo a compensar isso?

Também fica claro que o objetivo central de um EV deveria ser selecionar, de forma preditiva, alunos que terão bom desempenho acadêmico. Mas imagino que nem todos os fatores que possam ter correlação preditiva possam ser usados na seleção. Por exemplo, eu imagino que sexo deve ser uma variavel preditiva (ou seja, eu "chuto" que mulheres completam seus cursos em uma proporção maior que os homens - existe evidência estatística disso?). Assim, de uma forma puramente racional (ou seja, de eficiencia de mercado), supondo a hipotese válida, uma politica eficiente seria dar pontos extras para as meninas nos EVs, assim como as mulheres recebem taxas menores que os homens em seguro de automovel, de novo devido a correlações estatisticas enter sexo e acidentes.
Pergunta 2: A variavel sexo, mesmo que fosse altamente preditivel, não poderia ser usada num EV, pois isso constituiria discriminação sexual. Ou não?
Pergunta 3: Existe evidencia de que mulheres terminam seus cursos em proporção maior que homens?
 
Obrigado pelas colocações e perguntas que dão a oportunidade de esclarecer melhor nossa proposta.

Na realidade são dois os grandes problemas: a retenção e a evasão. A retenção é o fato de o aluno ser reprovado seguidamente em várias disciplinas, o que acontece notadamente no ciclo básico. A retenção é causada pela enorme discrepância de nível entre o ensino médio e o nosso ensino universitário e é também uma das grandes causas da evasão.

Resposta à pergunta #1:

Não sinto que a terceira etapa possa ser vista como um “overbooking” embora de fato possa parecer assim.

Por exemplo, ao praticar o “overbooking”, uma empresa de aviação confirma a reserva de mais passageiros do que lugares porque, pela sua experiência, há uma grande probabilidade de vários passageiros desistirem pelos mais variados motivos. Para a empresa o que importa é lugar ocupado e não quem ocupa. A empresa não seleciona os passageiros buscando identificar quais seriam ótimos passageiros, quais não teriam medo de avião, quais se comportariam adequadamente durante uma emergência, etc.

O vestibular em três etapas foi projetado para abordar de forma pró-ativa e controlada, ambas as questões: a retenção e a evasão.

Na questão da retenção (que também causa evasão), a terceira etapa é também um nivelamento. Só que um nivelamento com o objetivo de identificar talentos e oferecido em um patamar que muito dificilmente seria encontrado no ensino médio. A terceira etapa visa identificar e transformar os alunos talentosos, egressos do ensino médio, em alunos com formação acadêmica realmente adequada para a universidade.

Vamos elucidar um pouco mais a questão da descoberta dos talentos. Se tomarmos um conjunto arbitrário de 100 alunos que terminaram o ensino médio, provavelmente haverá pelo menos um aluno com uma superior habilidade matemática. Mesmo que este conjunto de 100 alunos não tenha sido exposto ao conteúdo correto do 3º ano do ensino médio, e que o aluno com habilidades matemáticas tenha o nível esperado de um aluno da 8ª série do fundamental, isto não invalida o fato de que ele possui uma habilidade matemática superior. Valeria e muito a pena receber esse aluno para um nivelamento – porque ele tem potencial. Isto é tão verdadeiro que, estatisticamente falando, os norte-americanos, quando selecionam alunos estrangeiros para suas pós-graduações, querem sempre saber se o mesmo está entre os melhores de sua turma, qualquer que seja esta turma ou a universidade de origem do candidato. Estar entre os melhores alunos de uma turma parece ser um indicador robusto para identificação de talentos.

Eu acredito que os talentos estejam distribuídos de forma homogênea na sociedade. E como as classes populares são as mais numerosas, também com certeza possuem mais talentos. Lamentavelmente, não há programas suficientemente amplos de identificação e nivelamento de alunos talentosos das escolas públicas. O desperdício de talentos que ocorre no Brasil assemelha-se a um “genocídio” intelectual.

Nós não desperdiçamos nossos talentos no futebol e ganhamos a partida final, Brasil x Alemanha, da copa de 2002. Se também não desperdiçássemos nossos talentos acadêmicos, também um dia, vez ou outra, ganharíamos da Alemanha em Estatística, Física, Matemática ou Química. E quando ganharmos da Alemanha em ciências, a aparência de nossos cientistas será a aparência da Seleção Brasileira.

Assim, receber três vezes mais candidatos do que vagas é uma forma de, ao ampliar a amostra de alunos, aumentar a probabilidade de identificação dos talentosos independentemente de sua formação anterior. Não é de espantar que ao final da Terceira Etapa, tenha aumentado significantemente (em relação ao passado) o número de alunos egressos de escolas públicas que passaram.

Resposta às Perguntas #2 e #3

Não sou jurista, mas, à luz da Constituição Federal, usar a variável sexo me parece equivalente a utilizar as variáveis origem, raça, cor, idade, etc. Se uma pode ser usada, por que não a outra?

Eu não sei se há evidências científicas que corroborem a hipótese de que mulheres completam seus cursos em uma proporção maior que os homens. Se ainda não foi feito, um estudo sobre isso seria certamente muito interessante.

Mas o uso de variáveis como origem, raça, sexo, cor, idade e outras que possam servir de base a quaisquer outras formas de discriminação, deixa de ser uma questão puramente estatística e passa a ser uma questão política que vai depender da posição ideológica de cada um a respeito dos fins do estado.
 
O desperdício de talentos que ocorre no Brasil assemelha-se a um “genocídio” intelectual.

Finalmente vejo alguém da UFPE falar desse projeto da terceira etapa do vestibular como algo humano e não como apenas reserva de mercado. Muito bom!

Sinceramente Osame, o professor Ademir Sartim teria muito a contribuir para esse debate também. E oposto um água mineral sem gás que ele aceitaria.

Deve está claro para todos que mulheres vêm tomando seus devidos lugares na sociedade, e não tardará a ocupação de espaços na sociedade se tornará homogênea ou até mais tendenciosa a elas, afinal são a maioria mesmo, nem por isso se cessará a eterna rivalidade mulher-homem, o que vai terminar sendo visto como algo saudável, e na verdade o é. Por quê? Foi feito pela natureza ué, diferentemente da discriminação pela cor da pele.

Já a questão das raças é bem diferente. Que tal o Osame fazer um desses modelos de sistemas dinâmicos para grupos em competição colocando como variáveis os fatores preponderantes pobreza e racismo, entre outros, e ver como esse negócio evolui no tempo? Tenho uma intuição que o grupo oprimido só deixará se ser oprimido em um tempo infinito, ou seja, quando a espécie homo sapiens já estiver extinta.

O fator racismo só pode ser derrubado através de ações afirmativas governamentais. Claro que não basta ações afirmativas. É só pensar um pouco, se tivermos cotas e se os alunos das cotas passarem por essa espécie de nivelamento que é a terceira fase do vestibular, eles terão chances reais de sucesso, o que é bem diferente de simplesmente jogá-los na universidade e deixá-los ao deus-dará. Acredito que o prof. Simas também esteja certo nesse ponto: a distribuição de talentos é uniforme na sociedade, inclusive nas camadas mais pobres, que o diga o Ramanujan. O que falta a essas camadas são oportunidades (que deveria ser dada pela educação básica) e certos cuidados posteriores, a primeira sem a segunda é simplesmente demagogia. Mas pegar na mão de um “negrinho” é algo impensável para alguns, já “pegar” as “negrinhas” nem tanto. Entenderam ou querem que eu desenhe?

Devemos refletir sobre uma coisa: o sistema se retro alimentará? Acho que sim, quanto mais pessoas das camadas mais pobres e das raças mais oprimidas tiverem oportunidades, mais haverá pessoas, em um futuro não muito distante, dispostas a fazer mais pela educação básica. Um pouco de otimismo não faz mal a ninguém!

Sinceramente não me agrada a universidade está fazendo parte do papel do ensino médio (mas há outra solução efetiva? Claro que não!), mas como ela também ao longo da história cumpriu (e ainda o faz) mal-e-mal o seu papel na formação dos professores da educação básica e na formação de profissionais mais humanos, mais engajados e menos mecanicistas, nada mais justo que ela agora pagar um pouco o preço do descaso, mas não será nada que levará a universidade a baixo, muito pelo contrário, é bem provável que se a universidade fizer o dever de casa direitinho no futuro tenhamos uma universidade brasileira muito mais universidade que a de fachada de hoje.

Mas o uso de variáveis como origem, raça, sexo, cor, idade e outras que possam servir de base a quaisquer outras formas de discriminação, deixa de ser uma questão puramente estatística e passa a ser uma questão política que vai depender da posição ideológica de cada um a respeito dos fins do estado.

Aqui o modelinho do Osame poderia mostrar muito bem que não se trata simplesmente de uma questão de ideologia.
 
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