Mesa redonda de discussão sobre a situação atual dos vestibulares, experiências alternativas e novas propostas de formato.

Prof. Adilson Simonis e Profa. Eunice Durhan
NUPPs - Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas
- USP
SãoPaulo, 11 - 7 - 2006.
Propostas de alterações no processo vestibular devem, além de procurar mensurar consequências das medidas adotadas, considerar indicadores históricos para alguma comparação do que era e do que pode vir a ser o novo cenário. Em particular, o estudo do impacto nos indicadores do desempenho discente nos parece relevante.
Tem aparecido com frequência, na grande imprensa, a idéia de que candidatos ao Ensino Superior com notas de ingresso similares no vestibular, poderiam ter desempenho diferenciado caso fossem egressos do ensino médio público ou do sistema privado, justificando ações afirmativas bem-intencionadas.
Difícil sermos conclusivos sobre o tema. Nosso objetivo é o de fornecer subsídios para uma discussão que nos parece polêmica e que deve ser tratada com a seriedade que a sociedade brasileira exige. Apoiar ou não as iniciativas de quotas de ingresso e de projetos de inclusão social, tais como o favorecimento no processo seletivo das principais universidades do país, poderá ser um subproduto de um debate que por si só, trará certamente novas nuances e novas perspectivas, avançando políticas públicas para um ensino de qualidade a servico da sociedade.
A Universidade de São Paulo, hoje, organiza o principal vestibular do país e é, segundo diversos indicadores, a principal universidade de pesquisa . Portanto é obrigada a pensar e repensar a polêmica que hoje ocorre em diversos setores da sociedade. Sabemos que a qualidade do ensino fundamental e médio deixa muito a desejar, como demonstram os estudos recentes do INEP. A exclusão sócio-econômica-geográfica-étnica, a concentração da riqueza nacional nas mãos de poucos, a falta de oportunidades de ascenção, a violência das grandes cidades, assim como as próprias escolas, tem papel decisivo na criação e manutenção das desigualdades. A possibilidade de alteração desse quadro lamentável, que poderia diminuir com a formação de cidadãos plenos, são problemas nacionais, e portanto também são da USP.
Existem diversas metodologias, que podem ser aplicadas, para mensurar o desempenho acadêmico segundo a classificação no processo seletivo de entrada para a Universidade.
Ainda não sabemos se o aluno que recebemos na USP é o que queremos. Não sabemos se o vestibular mede o que pedimos que faça, isto é, escolher quem tem maior potencial de usufruir aquilo que está em constante evolução e que depende das novas gerações para manter o patamar de qualidade e importância que, por mérito, alcançou. Queremos que o processo escolha o melhor preparado mas não necessariamente apenas o melhor treinado.
Algum critério de favorecimento, como os atuais 3 % na primeira e segunda fase, válidos já para o próximo vestibular USP, irá excluir alguns que teriam entrado pelo processo antigo. Estamos bem-intencionados, não resta dúvida, mas a sociedade, que precisa ter retorno do investimento feito no ensino público de qualidade, não irá sair perdendo?
Vejamos alguns fatos: Cursos na USP são diferentes. Desde a nota de corte para ingresso até a forma de avaliação em disciplinas, diferem entre carreiras. Também difere por carreira o nível sócio-econômico dos alunos e a proporção de egressos do ensino médio público. O próprio ensino médio público tem nuances: os egressos das escolas técnicas federais e estaduais são certamente mais bem preparados que muitas escolas particulares, nas quais os professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem. Mas algumas observacõe estatísticas podem nos ajudar a entender o que vem ocorrendo sistematicamente.
Tomemos inicialmente um dos cursos da USP mais disputados, a Medicina. Fixando como escopo de estudo os 514 alunos ingressantes no curso de Medicina USP entre 2003 e 2005, temos 487 alunos que declaram terem feito o ensino médio em colégios particulares e apenas 27 em colégios públicos. A nota média no primeiro semestre destes alunos foi de 6,86 e 6,85 para egressos do ensino médio privado e público respectivamente.
Dado o pequeno percentual de alunos egressos do ensino médio público, criamos quatro faixas de classificação no vestibular (segundo os quartis de nota FUVEST para os egressos do ensino médio público) de forma a incluir alunos desse grupo em todas as faixas. Considerando as notas dos 514 alunos em todos os semestre até o segundo semestre de 2005 obtemos os seguintes resultados:
Faixa A: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,3
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,4
Faixa B: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,2
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,1
Faixa C: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,3
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,2
Faixa D: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,3
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,3
Nota-se também que a média (que inclui as reprovações) dos alunos matriculados não aumenta conforme a faixa de classificação no vestibular (as faixas estão em ordem da maior nota -faixa A- para a pior nota -faixa D- obtidas no vestibular). Vamos, portanto, incluir outros cursos em nosso estudo: Direito, Letras, Matemática e Pedagogia.
Considerando um universo de 5386 alunos e calculando a nota média de todas as disciplinas cursadas até o final do ano de 2005, incluindo eventuais reprovações, temos:
Direito: 1330 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 7,4 e nota média do egresso do ensino médio público é de 7,4).
Letras: 2222 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 5,7 e nota média do egresso do ensino médio público é de 6,0).
Matemática: 836 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 5,1 e nota média do egresso do ensino médio público é de 5,4).
Medicina: 514 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 7,3 e nota média do egresso do ensino médio público é de 7,2).
Pedagogia: 484 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 6,9 e nota média do egresso do ensino médio público é de 7,0).
Trabalhando apenas com a média global, as diferenças são pequenas. Para uma visão mais detalhada, reproduzimos a metodologia de classificar segundo a nota Fuvest o aluno em quatro faixas e estudamos a nota média dos alunos da mesma faixa. Temos portanto 40 subgrupos de alunos, divididos em cada grupo segundo a procedência do ensino médio cursado, e calculamos a média obtida nas disciplinas cursadas dentro da USP desde o ingresso até o final do ano de 2005.
Entre os 40 grupos, em 39 não existem diferenças estatisticamente significativas entre o desempenho dos alunos egressos dos sistema público e privado. Apenas em um grupo, constituído por 171 alunos da matemática, existem fortes evidências estatísticas de que o desempenho do egresso do ensino público, com notas similares, supera em desempenho os colegas egressos do ensino médio privado. Um percentual de 97 % do universo estudado não permite afirmar que o desempenho difere.
A partir destes dados, podemos concluir que o nível dos estudantes egressos do ensino médio público na USP, escolhidos por mérito, têm o mesmo desempenho que os egressos das escolas privadas. A diferença entre ambos reside no fato de que um menor percentual de egressos do ensino público alcança o padrão mínimo estabelecido pela FUVEST para a seleção dos alunos, que é dada pela nota de corte.
Dentro destes limites, a variação da nota do vestibular influi pouco no desempenho dos estudantes. Um aumento na nota dos estudantes do ensino público significará uma variação na nota de corte entre esses candidatos e os do ensino privado, em favor dos primeiros, com o que é possível que se introduza uma diferença no desempenho desses dois grupos, que agora inexiste.
Para maiores detalhes sobre as estatísticas utilizadas no presente texto veja as tabelas nos arquivos que seguem anexo:
Colaborou neste trabalho Flávio Daher, aluno do IME-USP.
Biografia acadêmica: Primeiro ano no Colégio Santa Clara de Porto Alegre. Segundo e Terceiro ano no Colégio São João de Porto Alegre. Quarto Ano até a conclusão do ensino médio (antigo colegial) no Colégio Anchieta de Porto Alegre. Bacharel em Estatística pela UFRGS (1982). Mestrado e Doutorado em Probabilidade no IME-USP (1995). Pós-Doutorado no IMPA (RJ) e em Mecânica Estatística na Università de Roma II, Tor Vergata, (1998). Professor do IME-USP desde 1983 e Pesquisador do NUPPs desde 2005. Torcedor do Internacional de Porto Alegre desde julho de 1956.