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Mesa Redonda: Vestibular

Mesa redonda de discussão sobre a situação atual dos vestibulares, experiências alternativas e novas propostas de formato.
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segunda-feira, julho 17, 2006

 

Proposta da Mesa Redonda

Motivado por uma recente lista de discussão na USP sobre o tema do Vestibular, propomos discutir nesta mesa redonda virtual o tema em seus diversos aspectos, convidando palestrantes que tem participado de experiências inovadoras e/ou que tenham reflexões produtivas sobre o tema.

O formato da mesa redonda será o seguinte:

- Até dia 10 de julho será postada a primeira rodada de colocações, junto com um resumo biográfico de cada palestrante.
- Durante duas semanas os palestrantes, na medida do possível, responderão aos comentários colocados nas janelas de seus posts e poderão fazer críticas e comentários dos posts dos outros participantes.
- Após este prazo os palestrantes farão uma réplica contendo suas considerações finais.

Finalmente, lembramos que em princípio o blog é público, de modo que sugerimos cautela e reflexão no modo de expressão dos posts e comentários em janelas. Em particular, não serão admitidas comentários desrespeitosos aos palestrantes, de modo que, se necessário, as janelas serão sujeitas a moderação.

sábado, julho 15, 2006

 

Mesa Redonda "Vestibular: problemas atuais e propostas alternativas"

A fim de facilitar acesso aos textos, listamos abaixo os participantes da mesa redonda. Para ler os posts e fazer questionamentos ou comentários, clique em cima do nome do palestrante.


 

Vestibular como ferramenta insuficiente de seleção para o Ensino Superior.


Prof. Dr. Marcelo Henrique Romano Tragtenberg
Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina
Grupos de Trabalho de Etnia, Gênero e Classe da APUFSC e ANDES-SN
Membro da Comissão da UFSC que discute ações afirmativas para acesso e permanência de índios, negros e estudantes de escolas públicas.

Na grande maioria dos cursos das Universidades Públicas é preciso selecionar os alunos, pois há vagas insuficientes. É preciso no entanto que haja objetivos claros nesse processo seletivo.Se os objetivos na seleção dos alunos forem:

(a) ter alunos com capacidade de realizar com mérito seus estudos;
(b) corpo discente com diversidade socioeconômica e étnico-racial;
(c) formar profissionais com várias origem socioeconômicas (permitindo maior igualdade de oportunidades) e vários perfis étnico-raciais, o vestibular tomado isoladamente isoladamente é uma ferramenta ineficaz.

Nos cursos mais concorridos principalmente há poucos alunos de baixa renda, negros e indígenas. Nos outros cursos é comum baixa proporção de alunos negros e indígenas. Vários estudos já mostraram que as notas do vestibular não correspondem ao desempenho dos alunos
ao longo do curso.

A comissão de vestibular da UNICAMP mostrou que os alunos da rede pública tem notas melhores que os da rede privada e por isso implantou um programa de ação afirmativa com pontos extras para egressos do ensino médio público que seriam em quantidade 1/3 maior no caso de serem negros ou indígenas. O relatório do primeiro ano dessa experiência mostrou que em 31 dos 56 cursos, já no primeiro semestre, os alunos tiveram nota média superior aos alunos do vestibular tradicional.

Estudo da UFRJ publicado na Ciência Hoje de janeiro de 2005 mostrou que a nota no vestibular não tem relação determinante na nota dos alunos nos cursos de graduação. Além disso, mostrou que a redução da nota de corte no caso de reserva de 20% das vagas para alunos de escolas públicas em cursos concorridos seria de cerca de 2 a 3%! Este estudo da UFRJ não pode ser realizado noaspecto étnico-racial pois a UFRJ não possuia o quesito cor-raça no formulário do vestibular!

Lamentavelmente a diversidade étnico-racial e socioeconômica não são ainda objetivos de várias universidades brasileiras. Por outro lado, não para de crescer o número de universidades públicas com cotas ou pontuação extra para estudantes oriundos de escolas públicas, negros e indígenas, hoje já na casa das trinta.

Estudo aceito para publicação nos Cadernos de Pesquisa de março/agôsto e realizado por nós em colaboração com João Luiz D. Bastos, Lincon Nomura e Marco A. Peres concluiu que duplicar vagas na UFSC não modifica o perfil socioeconômico e étnico-racial da instituição. E que se for instituída reserva de 50% das vagas para egressos do ensino médio público o percentual de estudantes negros não mudaria! Isso é coerente com a idéia que o racismo e a exclusão de negros se dá tanto na escola básica pública como a privada.

Se se pretende uma formação com diversidade para egressos que atuarão numa sociedade diversa, é preciso promover essa diversidade com medidas de ação afirmativa no ingresso de estudantes de baixa renda, negros e indígenas às Universidades públicas, sejam elas cotas ou pontuação extra. Por outro lado, qualquer programa de combate ao racismo e suas consequências no Brasil precisa assumir essa luta no interior da Universidade Pública não só no acesso e permanência de negros e indígenas, como na reformulação do conteúdo de forte conotação eurocêntrica.

Para que a sociedade seja mais diversa é fundamental a formação superior de mais pessoas negras e indígenas. Nosso percentual de negros formados é semelhante ao da África do Sul da época do apartheid e dos EUA segregacionista, além de ser cerca de 1/4 da população branca brasileria. Somos herdeiros desta herança terrível. Vamos ser conivente com ela? Recentemente o país viu a manifestação de parcela da comunidade acadêmica e alguns representantes negros contra o Projeto de Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. Outra parcela da comunidade acadêmica e grande parte do Movimento Negro se colocaram a favor destes projetos de lei.

Gostaria de mencionar apenas um aspecto curioso e para mim bastante revelador do manifesto dos contra cotas e Estatuto da Igualdade racial: ele só foi organizado para impedir as cotas nas Universidades Públicas. Quanto da aprovação do PROUNI não houve tal manifesto. Quando se tratava de abrir vagas em Universidades Particulares em geral com menor qualidade que as públicas, houve silêncio. Mas no momento de abrir as oportunidades melhores da sociedade brasileira no Ensino Superior, há um protesto veemente. Neste momento, questiona-se a idéia de raça, e que essas medidas podem gerar racismo.

Curiosa hipocrisia: silêncio quando as piores vagas vão para negros e indígenas, e protesto quando pequena parte das melhores vão para esses grupos. Não seria esta uma marca de um neo-racismo, que só evoca o fim da noção de raça na hora de combater os efeitos da discriminação racial?

Biografia acadêmica: Bacharel e Licenciado, Mestre e Doutor em Física pelo Instituto de Física da USP, com estágio de pós-doutorado no Departamento de Física da Universidade de Oxford/Inglaterra. Professor do Departamento de Física da UFSC. Membro dos Grupos de Trabalho de Etnia, Gênero e Classe da Associação dos Professores da UFSC e do ANDES-SN. E-mail: marcelo@fisica.ufsc.br

sexta-feira, julho 14, 2006

 

Vestibular em Três Etapas: Uma experiência em andamento na UFPE


Prof. Dr. Alfredo Mayall Simas
Prof. Titular- Universidade Federal do Pernambuco
Diretor do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPE
Leciona, no período atual, a disciplina de formação pré-acadêmica "Introdução à Química" da Terceira Etapa do vestibular da UFPE para os candidatos ao curso de bacharelado em química.

O concurso vestibular às universidades públicas brasileiras possui, além do peso da tradição de uma metodologia que vem sendo aplicada há décadas a milhares de candidatos, uma imagem de grande credibilidade junto à sociedade como um processo público, impessoal e transparente. Tudo isso passa uma percepção de que o vestibular é também um processo de reconhecimento do mérito intrinsecamente justo.

Por outro lado, é de fundamental importância para a universidade pública sua produtividade, para a qual o número de alunos que se formam deveria ser igual ao número de alunos que ingressaram.

O que seria, portanto, o vestibular ideal para uma universidade pública? Certamente aquele que apresentasse à mesma, um conjunto de candidatos selecionados em número igual ao número de vagas e que tivessem uma alta probabilidade de se formarem como profissionais de alta qualidade e no tempo previsto.
O vestibular tradicional atende a essa necessidade da universidade pública?

Diagnóstico

No Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal de Pernambuco, CCEN/UFPE, são oferecidos quatro bacharelados: em Estatística, Física, Matemática e Química. São todos cursos de alta qualidade acadêmica, que eram tradicionalmente avaliados como "A" no provão. Além disso, são oferecidas licenciaturas noturnas em Física, Matemática e Química.

O ambiente acadêmico do CCEN/UFPE é bastante rico, com quatro departamentos: Estatística, Física, Matemática e Química Fundamental, oferecendo aos formandos muitas opções de cursos de pós-graduação: mestrado e doutorado em Estatística, Física, Matemática, Química, Ciência de Materiais e doutorado em Matemática Computacional. Muitos dos seus docentes possuem bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq. O Centro executa ainda um grande número de projetos institucionais, interinstitucionais, sedia redes de pesquisas, e é reconhecido como um centro de excelência e inserção internacional.

Apesar disto, a produtividade de seus bacharelados é baixa: todo ano, em média, 210 calouros são admitidos, apenas 43 concluem o curso e 147 desistem – uma evasão média da ordem de 80%.

Nossos sistemas de iniciação científica e pós-graduação que são de altíssima qualidade e nível internacional necessitam de um grande número de alunos que efetivamente venham a se formar em nossos vários cursos de graduação – o que, infelizmente, não vem ocorrendo a contento e nos deixa bastante preocupados.

A Tabela 1, abaixo, revela a curiosa homogeneidade da evasão nos nossos cursos, tanto nos bacharelados quanto nas licenciaturas, mostrando que o fenômeno da evasão parece independer da área do conhecimento, seja estatística, física, matemática ou química. De fato, suas causas parecem ser comuns.

Porém, longe de ser uma peculiaridade da UFPE, este fenômeno da evasão da ordem de 80% parece ser bem mais geral.
No documento de 2001 da Sociedade Brasileira de Matemática intitulado Panorama dos Recursos Humanos em Matemática no Brasil: Premência de Crescer
http://www.sbm.org.br/files/panmat.pdf pode-se ler:
Estes números, se comparados com o número de ingressantes/ano, sugerem alta porcentagem de evasão dos cursos de graduação. É fato conhecido na comunidade matemática que esta taxa é próxima de 75%.

Tal documento foi preparado em 2001 por especialistas da USP (São Carlos), Universidade do Ceará, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal Fluminense, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Laboratório Nacional de Computação Científica e Instituto de Matemática Pura e Aplicada.

Longe de ser um problema pernambucano, o fenômeno da evasão da ordem de 75% parece ser, no mínimo, um problema brasileiro.


A Primeira Tentativa de Intervenção: Disciplinas Introdutórias

O Ministério da Educação divulgou em 2003 os resultados preliminares do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica http://www.inep.gov.br/download/saeb/2004/resultados/BRASIL.pdf
(Saeb) realizado, em parceria com os Estados da Federação, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC). Os dados foram coletados em novembro de 2003 por meio da aplicação de testes e questionários a estudantes das 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio.

Os resultados do SAEB são alarmantes: indicam que, em língua portuguesa, 39% dos concluintes do ensino médio não apresentam desempenho que possa ser considerado adequado. Já em matemática, 69% dos estudantes brasileiros concluintes do ensino médio apresentam níveis de aprendizagem em matemática absolutamente inaceitáveis.

Comparativamente, o ensino superior nas universidades públicas brasileiras é de alta qualidade, muitas vezes igualando ou até mesmo superando o de congêneres dos países desenvolvidos.


Assim, parece lógico imaginar que a causa da retenção e evasão dos alunos nos ciclos básicos dos cursos de graduação da área de ciências exatas vem precisamente deste desnível.

De fato, cerca de metade dos calouros do ciclo básico da área de exatas na UFPE, aprovados no vestibular de 2001 e 2002, apresentaram nota menor do que 2.0 em todas as disciplinas da segunda etapa do vestibular. Isto indica que a segunda etapa do vestibular provavelmente possui um poder discriminador de competências dos candidatos muito baixo, devido à estreita faixa da escala de notas onde os resultados das inúmeras centenas de candidatos se acumulam.

Em decorrência, entre 2001 e 2004, foram introduzidas no ciclo básico das áreas de exatas da UFPE três disciplinas introdutórias, com conteúdo de transição entre o ensino médio e o universitário: Introdução à Matemática, Introdução à Física e Introdução à Química. Todos os candidatos aprovados no vestibular que estivessem no último quartil de notas da segunda fase, em cada uma das disciplinas do vestibular: física, matemática e química, foram instruídos a fazer as introdutórias correspondentes.

Nas figuras 1 a 3, são apresentadas a evolução da média das notas dos alunos nas disciplinas subseqüentes às introdutórias, onde o quadrado em magenta representa a média final dos alunos que fizeram a introdutória correspondente no semestre anterior para o ano de 2001 – o primeiro em que as introdutórias foram aplicadas. O triângulo amarelo representa a média das notas dos alunos que não fizeram introdutórias e que foram direto do vestibular para Física 1, Cálculo 1 e Química 1.

Figura 1
Figura 2
Figura 3

Os resultados foram animadores no sentido de que os alunos que fizeram as introdutórias passaram a ter, na disciplina correspondente subseqüente, um desempenho acima da média dos outros alunos. Portanto, apesar de terem passado no vestibular no último quartil, seu desempenho foi bem superior à média dos alunos cujas notas se situavam nos quartis superiores – tornando-se alunos até mais atraentes para programas de iniciação científica do que os que não haviam feito as introdutórias.

O grande valor das disciplinas introdutórias foi justamente o de constatar aquilo que se esperava: que ensinar o aluno que apresenta deficiência, faz com que o mesmo aprenda. Entretanto, no que respeita os índices de evasão e retenção, não foram percebidas mudanças significativas.

Foi ficando cada vez mais claro que os reais motivos que levavam à retenção e à evasão eram bem mais complexos do que se imaginava: claramente transcendiam o mero desnível entre o ensino médio e o superior.

É fato que uma nota bem mais alta no vestibular geralmente significa maior probabilidade de sucesso nas primeiras disciplinas do curso universitário do que uma nota bem mais baixa.
Entretanto, isto não é verdadeiro para notas próximas que são as típicas dos candidatos aprovados para um determinado curso. Ou seja, notas um pouco maiores não necessariamente implicam em maior probabilidade de sucesso nas primeiras disciplinas do curso universitário quando comparadas a notas um pouco menores.

Mais grave ainda: começou-se a suspeitar que a nota do vestibular de um dado aluno não parece ser de nenhuma forma um preditor confiável de que o aluno irá eventualmente terminar seu curso e se formar: uma percepção desconcertante para quem até então acreditava que a nota do vestibular era uma evidência de mérito, uma medida da probabilidade de sucesso acadêmico.

Foi ficando cada vez mais evidente que o vestibular tradicional apresentava inadequações como instrumento de seleção para os objetivos de uma universidade pública.

Causas Intangíveis da Evasão

Descobrimos que estava faltando avaliar variáveis subjetivas que o vestibular tradicional não tem nenhuma condição de fazer, como por exemplo:

A capacidade de freqüência do aluno às aulas por todo um semestre;
A vocação e o talento do aluno para a estatística, matemática ou química;
A motivação do aluno para o estudo de nível superior;
A autonomia do aluno enquanto estudante universitário.

Muitas vezes o aluno tirava uma boa nota no vestibular, mas depois abandonava o curso pelos mais variados motivos. E detectamos que em sua grande maioria, esses motivos eram perfeitamente legítimos. Por exemplo, o aluno também tinha passado no vestibular de outra universidade e preferiu cursar esta outra; a família do aluno foi transferida para outro estado; o aluno não havia tido informação suficiente sobre a profissão e havia escolhido o curso baseado numa fantasia desconectada com a realidade; no decorrer do primeiro período o aluno havia se desencantado com o curso, por não ter se revelado o que esperava; o aluno mora em uma cidade distante sem condições de viabilizar sua estadia em Recife; o aluno fez o vestibular por pressões externas, mas não valoriza o curso a nível pessoal; o aluno precisa trabalhar muitas horas por dia para ajudar sua família; etc, etc.

Realmente, são inúmeras as justificativas legítimas para abandonar o curso, justificativas estas que nada têm a ver com a nota do vestibular.

Causas intangíveis de evasão que não poderiam ser de forma alguma detectadas pelo vestibular tradicional.
Resultado: vagas públicas ociosas.

O Desempenho no Primeiro Período

Detectamos ainda que grande parte da retenção e da evasão ocorria justamente no primeiro período.

O próprio aluno não sabia ao certo, logo nas primeiras semanas de aula, se o curso era realmente aquele com que sonhava, se seria o curso para o qual tinha aptidão, se iria se adaptar ao tipo de aula, ou à realidade universitária.

A verdade é que as respostas a estas perguntas não estão disponíveis nos primeiros dias de aula. Só a vivência dentro da universidade tem condições de oferecer respostas a estas perguntas.
De fato, não há como esclarecer de forma eficiente o aluno, antes de sua inscrição no vestibular para um de nossos cursos, todos os aspectos da experiência que terá ao entrar na universidade. E isto apesar das open houses que promovemos todos os anos no CCEN/UFPE, recebendo mais de mil alunos de escolas da Grande Recife em nossas instalações, oferecendo cursos, palestras, workshops, etc.

Verificamos que os calouros que são reprovados em três ou mais disciplinas, logo no primeiro período, têm muito menor probabilidade de seguir adiante completando o curso. Já os reprovados em apenas uma disciplina apresentam excelentes chances de recuperação.

Confirmamos que aquele aluno de nossos cursos que passa em todas as disciplinas no primeiro período tem uma altíssima probabilidade de se formar. Praticamente todos eventualmente se formam. Seu sucesso inicial parece gerar uma satisfação que reforça seu sentimento de escolha correta de curso e sua determinação de ir até o final.

Nos perguntamos: - não seria então maravilhoso preencher todas as nossas vagas apenas com alunos que tivessem cursado e passado em todas as disciplinas do primeiro período?

A concretização deste ideal aparece então límpida e cristalina: fazer do vestibular uma simulação do primeiro período com conteúdo de nivelamento e preparação para o mesmo.

Neste vestibular - simulação do primeiro período - daríamos o conteúdo formativo de segundo grau com uma abordagem de nível universitário: matemática com demonstrações rigorosas; e química também chegando à fronteira da ciência contemporânea para reforçar a motivação. Mais ainda, as aulas e as avaliações seriam semelhantes àquelas das disciplinas subseqüentes do curso, sempre num contexto universitário.

Mas como resolver o problema de que apenas uma fração dos alunos terá sucesso nesta simulação do primeiro período, devido às mais variadas causas, como anteriormente exposto?

Este problema foi resolvido adotando a brilhante solução proposta pelo Prof. Ademir Sartim, coordenador do curso de matemática da Universidade Federal do Espírito Santo: receber para esta simulação do primeiro período três vezes mais candidatos do que vagas e selecionar apenas aqueles que tiverem pleno sucesso.

O Vestibular em Três Etapas

Como mencionamos anteriormente, um estudo havia mostrado que cerca da metade dos calouros do ciclo básico aprovados no vestibular de 2001 e 2002 da área de exatas da UFPE apresentavam notas menores do que 2,0 em todas as disciplinas da segunda etapa do vestibular.
Conseqüentemente, estava claro que a segunda etapa do vestibular não apresentava um poder de resolução (de discriminação de competências) suficiente para decidir quais candidatos devem ou não ser aprovados.

A primeira etapa do vestibular, entretanto, apresentava um bom poder de discriminação de competências. Decidimos, portanto, abandonar por completo as provas específicas da segunda etapa: matemática, física e química - por serem pouco úteis.

Criamos, por conseguinte, um vestibular em três etapas, num primeiro momento apenas para os bacharelados em estatística, matemática e química, a saber:

Primeira etapa: igual aos demais.

Segunda etapa: apenas redação, com nota mínima 2,5 em caráter eliminatório.

Terceira etapa: dentre os não eliminados na segunda etapa, três vezes mais candidatos do que vagas são selecionados, exclusivamente pela nota da primeira etapa, para cursarem duas disciplinas de formação pré-acadêmica de 90 horas cada, nas dependências do CCEN/UFPE, ministradas por professores doutores do quadro permanente.

Na terceira etapa todos os candidatos cursam Introdução à Matemática I. Além desta, os candidatos ao Bacharelado em Química cursam Introdução à Química; os candidatos ao bacharelado em Matemática cursam Introdução à Matemática II; e os candidatos ao Bacharelado em Estatística cursam Introdução à Matemática para Estatística.
As ementas das disciplinas estão disponíveis em:
http://www.covest.com.br/vestibular2005/programas_pre.html

São considerados aprovados no vestibular os candidatos com freqüência mínima de 75% em todas as aulas, obrigatoriamente aprovados em ambas as disciplinas (com nota igual ou superior a 5,0 em cada uma) e classificados pela média aritmética das duas disciplinas até o número disponível de vagas.

Durante o período em que o candidato está cursando as disciplinas da terceira etapa, ele não é aluno regular da Universidade, passando a sê-lo apenas caso consiga sua classificação final dentro do número de vagas oferecidas pelo Curso.

O manual de nosso primeiro vestibular 2005 com detalhes das regras e ementas das disciplinas pode ser consultado on-line em: http://www.covest.com.br/vestibular2005/manual.html

O manual do vestibular 2006, com algumas pequenas mas importantes alterações e avanços em relação ao de 2005, pode ser encontrado em http://www.covest.com.br clicando em "Concursos anteriores" no menu superior esquerdo; depois em "Vestibular 2006"; depois ampliando a janelinha que se abre e clicando em "Manual do Candidato".

Os três cursos envolvidos (Bacharelados em Estatística, Matemática e Química) passaram a ser exclusivamente cursos de segunda entrada, visto que no equivalente ao primeiro período ocorre a terceira etapa com as duas disciplinas de 90 horas cada.

O vestibular em três etapas foi aplicado pela primeira vez no CCEN/UFPE no vestibular para entrada em 2005. Os alunos aprovados em 2005 já cursaram e completaram seu primeiro período de nosso ciclo básico e estão neste momento cursando o seu segundo período.

Neste momento, também está ocorrendo a terceira etapa dos candidatos para entrada em 2006. E em breve serão iniciadas as inscrições para o vestibular 2007 neste mesmo formato.

Objetivos do Vestibular em Três Etapas

O objetivo do vestibular em três etapas é selecionar candidatos com alta probabilidade de se formarem, o que é muito mais completo e complexo do que meramente selecionar candidatos que possam vir a acompanhar o ciclo básico da área de exatas.

Com a implantação do vestibular em três etapas, percebemos que também estamos democratizando a forma de acesso aos bacharelados do CCEN/UFPE:

Estamos selecionando, não pelo conhecimento prévio, mas pela capacidade de aprender justamente o conteúdo que achamos importante ensinar e que será de fundamental importância para o sucesso nos seus estudos universitários;
Estamos dando oportunidade a todos que tenham interesse e talento, independentemente de sua formação.
Não estamos privilegiando apenas aqueles que tiveram acesso a boas escolas nos ensinos fundamental e médio.
Diplomando mais alunos, teremos como formar recursos humanos mais numerosos e melhor preparados pelo nosso sofisticado sistema de pós-graduação.
Também estamos aumentando a percepção da relevância de nossos cursos de graduação por parte, tanto da sociedade como um todo, quanto da UFPE, em particular.

E aqueles que não passam na terceira etapa? O conhecimento lá adquirido também será de grande valia em outros concursos que estes candidatos porventura venham a fazer. Por isso, todos são beneficiados, inclusive os alunos que não se adaptam por qualquer motivo e abandonam a terceira etapa. Como aliás teriam igualmente abandonado se tivessem sido aprovados no vestibular, com a diferença de que agora abandonam o vestibular e não a universidade – não gerando nenhuma ociosidade no sistema público de ensino superior.

A Percepção do Vestibular em Três Etapas pela Sociedade

Também aumentou a procura pelos três cursos envolvidos. Em 2005, quando a terceira fase aconteceu pela primeira vez, o curso de bacharelado em química foi o curso mais procurado de todos os cursos do ciclo básico da área de exatas da UFPE: mais de sete candidatos por vaga. Por isso podemos afirmar que a idéia da terceira etapa foi muita bem recebida pelos candidatos.

O Vestibular Tradicional (Primeira Etapa) Prediz o Sucesso do Aluno na Terceira Etapa?

Como mencionamos, normalmente se associa a aprovação no vestibular como resultado de uma avaliação de mérito.
Mas qual mérito é esse? Descobrimos com a experiência que este mérito parece ser tão somente o mérito de passar no vestibular. Um mérito não muito útil para a universidade pública. Por que?

Porque passar no vestibular não implica em se formar. Mais ainda, a nota no vestibular não parece ser um preditor do desempenho na universidade, nem muito menos de sucesso profissional posterior. Ora, supondo que a terceira etapa foi projetada para ser um bom preditor de desempenho no curso universitário, então o sucesso na primeira etapa não deveria correlacionar com o sucesso na terceira etapa. E isto ficou claramente evidenciado nos resultados das terceiras etapas para todos os três cursos do CCEN.

Abaixo, apresento figuras com a correlação entre as notas da primeira etapa e as notas da terceira etapa para os nossos três cursos. Como se pode verificar, a correlação é simplesmente nula em todos os casos, mostrando que isto não é um fenômeno isolado de um curso em particular ou de determinados professores. O fato de a correlação ser nula implica em que o vestibular tradicional parece apresentar um defeito de concepção.

Estudo de Caso: Bacharelado em Química

Considerando que o resultado da Primeira Etapa equivale ao vestibular tradicional, onde se lê Primeira Etapa pode-se entender, para efeito de argumentação, vestibular tradicional.

Como estudo de caso, vejamos o que aconteceu com o vestibular em três etapas para o bacharelado em química em 2005. Haviam 20 vagas, 60 candidatos foram selecionados para a Terceira Etapa, dos quais 20 foram aprovados.

O 1° e o 2° lugar da Terceira Etapa foram o 38° e 30° lugar da Primeira Etapa – teriam sido reprovados pelo vestibular tradicional caso não tivesse havido a Terceira Etapa. Oito candidatos que teriam sido aprovados na Primeira Etapa foram reprovados na Terceira Etapa.
O 2°, 3°, 7º e outros - num total de 9 alunos, quase a metade dos aprovados - vieram da escola pública (normalmente vêm apenas 30%). O 54° colocado na Primeira Etapa foi o 20° na Terceira Etapa.

14 candidatos não fizeram pelo menos uma das duas primeiras provas, destes 6 teriam teriam sido aprovados pela primeira etapa.

20 candidatos abandonaram a Terceira Etapa, destes, 5 teriam vindo da Primeira Etapa.

Para todos os três cursos (estatística, matemática e química), o mesmo padrão aconteceu:
em média, apenas metade dos candidatos aprovados pela Primeira Etapa têm sucesso na Terceira Etapa; muitos dos candidatos que abandonaram a Terceira Etapa teriam sido aprovados pela Primeira Etapa; um número alto de candidatos muito mal classificados na Primeira Etapa se recupera de forma surpreendente na Terceira Etapa; alguns candidatos muito bem colocados na Primeira Etapa, com notas altas e acima de 7.0, são surpreendentemente reprovados na Terceira Etapa; não há qualquer correlação entre notas na Primeira Etapa e notas na Terceira Etapa.

Neste momento já temos dados preliminares com respeito ao desempenho dos aprovados na Terceira Etapa para o curso de Bacharelado em Química nas disciplinas do primeiro período.

No primeiro período, os alunos do curso de Bacharelado em Química devem fazer as seguintes quatro disciplinas: Cálculo 1, Geometria Analítica, Física 1 e Química Geral 11.

Os resultados do primeiro período encontram-se na Tabela 2 abaixo. Claramente houve um enorme e significativo progresso em termos de alunos aprovados nas disciplinas no ano 2005, com o vestibular em três etapas, quando comparado à média dos anos anteriores.

À percentagem de alunos que não conseguiram ser aprovados em pelo menos três das quatro disciplinas denominamos "ineficiência do processo seletivo". Observe como a ineficiência antes da introdução do vestibular em três etapas, em média 74%, é comparável ao percentual médio de evasão do curso apresentado na Tabela 1 que é 80%. Com a introdução do vestibular em três etapas, a ineficiência caiu para 33%. Caso esta correlação venha a se comprovar como verdadeira, podemos imaginar que ocorrerá um drástico aumento no número de alunos que irão se formar daqui a quatro anos.

Estes resultados ainda são preliminares. Apesar dos indícios animadores apresentados na Tab. 2, precisamos efetivamente aguardar ainda quatro anos para uma verdadeira avaliação do valor do vestibular em três etapas na UFPE.

Tabela 2 – Os dados referem-se ao número de alunos aprovados no vestibular cursando o primeiro período. A ineficiência do processo seletivo é definida como a porcentagem dos alunos que não conseguiram ser aprovados em pelo menos três das quatro disciplinas do primeiro período. *O número de aprovados em três disciplinas inclui o número de aprovados em quatro disciplinas.

Acima, havíamos mencionado que o vestibular tradicional não apresentava correlação com o desempenho dos candidatos na terceira etapa, a qual foi projetada para ser uma simulação da realidade dentro da universidade.

Cabe, portanto, a pergunta: o resultado do vestibular em três etapas é um preditor confiável do desempenho dos alunos no primeiro período da universidade?
Ou seja, o resultado da terceira etapa apresenta uma boa correlação com o coeficiente de rendimento dos alunos no primeiro período?
Uma correlação muito melhor foi encontrada, com R2 = 0.50, como mostra o gráfico abaixo.
Esta correlação, caso seja confirmada de forma mais geral, inclusive poderá eventualmente vir a autorizar o uso do vestibular em três etapas como uma forma de dimensionar corretamente o número de vagas que devem ser oferecidas ao público anualmente para um determinado curso, face à sua demanda qualificada.

A Nova Forma de Ingresso da UFES

Em 17 de julho de 2003, em Recife, durante a 55ª Reunião Anual da SBPC, o coordenador do curso de matemática da Universidade Federal do Espírito Santo, Prof. Ademir Sartim (matematica@prograd.ufes.br), participou de uma mesa redonda sobre formas de ingresso na universidade, onde relatou uma experiência bem sucedida, testada e reproduzida por mais de cinco anos seguidos pelos cursos de matemática (bacharelado e licenciatura) e estatística (bacharelado) de sua universidade.

Em 10 de outubro do mesmo ano, o Prof. Sartim voltou à UFPE, quando apresentou no auditório do CCEN uma palestra sobre esta nova forma de ingresso para nossos professores. Seu relato encontra-se publicado na forma de um artigo na revista Matemática Universitária, 32, 49-59 (2002), cuja leitura recomendamos fortemente.

Suas idéias serviram de forte inspiração e motivação para que viéssemos a adotar este processo seletivo de vestibular em três etapas em nossa universidade e que é essencialmente o mesmo que o adotado para os cursos de bacharelado e licenciatura em matemática da UFES.

Biografia acadêmica: Bacharel em Química (PUC/RJ, 1975), Mestre em Química (Unicamp, 1977), Ph.D. (Queen's University, Canada, 1982). Desde 1985 é professor do Departamento de Química Fundamental da UFPE, onde atualmente é professor titular. Realiza pesquisas na área de química teórica, mais especificamente em arquitetura molecular no desenvolvimento e aplicação de modelos semi-empíricos em química quântica, tendo publicado mais de 90 artigos em periódicos internacionais. Desde 2000 é diretor do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPE e leciona, no período atual, a disciplina de formação pré-acadêmica "Introdução à Química" da Terceira Etapa do vestibular da UFPE para os candidatos ao curso de bacharelado em química.

terça-feira, julho 11, 2006

 

O Vestibular Nacional da Unicamp

Prof. Dr. Leandro R. Tessler
Prof. Associado - IFGW - UNICAMP
Coordenador Executivo - Comvest - Unicamp


O Vestibular Nacional da Unicamp tem suas origens em 1985 quando o prof. Rubem Alves, então Assessor especial do reitor para assuntos de ensino enviou uma série de ofícios ao reitor da Unicamp sugerindo a formação de "uma comissão que se dedique a fazer estudos e apresentar sugestões de alternativas aos atuais exames vestibulares". Nesse ofício foi feito um diagnóstico cruel (e infelizmente ainda atual) do efeito nocivo que o vestibular vinha tendo sobre o ensino fundamental e médio. Vale a pena citar "a deformação do espírito científico, que depende da capacidade de fazer perguntas, mais que da habilidade de dar respostas, que convive com a dúvida" e também "A sua evidente injustiça social" e "A sua inutilidade".

Em 1986 foi criada a Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (COMVEST) e desde 1987 a Unicamp elabora e aplica seu próprio vestibular. Como peculiaridades, esse vestibular tem entre seus objetivos selecionar "estudantes capazes de expressar-se com clareza, organizar suas idéias, estabelecer relações, demonstrar capacidade para interpretar dados e fatos, elaborar hipóteses e dominar os conteúdos das disciplinas do núcleo comum do ensino médio". Note que o domínio dos conteúdos é a última das características desse perfil. Outro dos objetivos explícitos é "Interagir com os sistemas de ensino fundamental e médio e contribuir para o redirecionamento do ensino". Para conseguir alcançar esses objetivos foi preciso criar uma nova cultura que passou pelo estabelecimento de um novo modelo de vestibular.

Esse vestibular ocorre em duas fases, ambas puramente discursivas. A primeira fase consiste em uma redação elaborada a partir de uma coletânea de textos (que vale metade da prova) e questões muito elementares, em geral com formulação interdisciplinar. Desde 1999 a primeira fase é toda articulada em torno de um tema único. Passam para a segunda fase os candidatos que obtém pelo menos 50% da pontuação. Todos os aprovados fazem todas as 8 provas da segunda fase. As provas buscam privilegiar a leitura, a articulação de idéias e a expressão em lugar de conhecimento memorizado. Além disso o vestibular é aplicado em várias cidades do estado de São Paulo e em capitais de outros estados para atrair os melhores talentos do país para a Unicamp.

Com essa proposta, e com a contínua discussão interna dos resultados, há 20 anos o vestibular nacional vem mantendo a mesma proporção de egressos de escolas públicas entre os candidatos e entre os matriculados, em torno de 30 a 34%. Desde 2005 a Unicamp instituiu o PAAIS, o primeiro programa de ação afirmativa sem cotas em uma universidade pública do país. A face mais visível do PAAIS consiste na possibilidade de bonificação de estudantes que cursaram todo o ensino médio na rede pública com 30 pontos (na Unicamp as provas são padronizadas com a média valendo 500 pontos e um desvio padrão valendo 100 pontos) e entre esses os que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas com mais 10 pontos. Esse programa foi motivado por um estudo feito pela própria Comvest que mostrou que se dois candidatos empataram no vestibular, um deles egresso de uma escola pública e o outro de uma escola privada, aquele que veio da escola pública em média melhora mais seu desempenho do que o outro uma vez na Unicamp. Ou seja, no nosso entendimento, mesmo com os resultados positivos que já vinham ocorrendo, o vestibular não é o único elemento preditivo do desempenho dos estudantes de graduação na Unicamp e poderíamos melhorar em média o quadro discente incluindo outras variáveis e estimulando a diversidade.

Os resultados aferidos pelo PAAIS foram acima do esperado. Por um lado aumentamos de forma espetacular a participação de egressos de escolas públicas e de negros especialmente nos cursos mais concorridos. Por outro, após um ano de Unicamp, em 95% dos cursos a hipótese do PAAIS se confirmou, ou seja, os beneficiados melhoraram mais seu desempenho do que os demais. Mais que isso, em 55% dos cursos a média dos beneficiados foi superior à dos demais estudantes. Isso não ocorreu com nenhum programa de cotas adotado por algumas universidades brasileiras.

O PAAIS mostrou que é possível termos programas de inclusão social sem perdermos a qualidade dos estudantes (na verdade melhoramos a qualidade) e preservando a autonomia universitária. O PAAIS nasceu na Unicamp e foi aprovado pelo Conselho Universitário, órgão máximo da universidade. Parece-me que no atual debate nacional sobre inclusão social, o maior erro é buscar uma solução única decidida na câmara federal para todas as IES brasileiras. É preciso entender e respeitar as especificidades regionais e deixar que as universidades façam o que elas sabem fazer melhor: pensar.


Mais informações em www.comvest.unicamp.br

Biografia acadêmica: Bacharel em Física (UFRGS, 1982), Mestre em Física (Unicamp, 1985), Ph.D. (Tel Aviv University, 1989). Desde 1991 trabalha no IFGW, Unicamp, onde atualmente é professor associado. Trabalhou como pos-doc no ISMRa (Caen, França) em 1990 e na École Polytechnique (Palaiseau, França) em 1993-1994. Publicou 49 artigos em periódicos indexados (Web of Science) em física de sólidos. Atualmente estuda semicondutores dopados com elementos das terras raras para aplicações em fotônica. Foi Coordenador de Graduação do curso de Física da Unicamp (2000-2001). É Coordenador Executivo da Comvest desde 2001.

 

USP, vestibular e ensino

Prof. Dr. Daniel Victor Tausk
Professor Associado IME-USP.

Introdução.

Exporei nesse texto uma série de argumentos e considerações a respeito de questões ligadas ao processo seletivo para alunos ingressantes na USP. Devo mencionar que boa parte das afirmações feitas no texto não são embasadas por experimentos científicos, mas refletem apenas minhas opiniões e a visão sobre o assunto que adquiri através de minhas experiências pessoais. Considero, no entanto, que a forma sistemática como organizei as idéias no texto sejam úteis para a discussão e possam indicar idéias para a realização de experimentos que possam eventualmente vir a embasar de forma mais rigorosa muitas das afirmações feitas no texto.

Proponho que nossas reflexões sobre o vestibular que seleciona os alunos ingressantes para a USP sejam divididas em duas partes:

(1) a análise da eficiência com que o vestibular seleciona os alunos que queremos selecionar para os cursos da USP;
(2) a forma como o vestibular influencia os ensinos fundamental e médio.

Muitos dos docentes que ministram cursos de graduação na USP demonstram descontentamento (em grau maior ou menor) com algumas das características de seus alunos (tais como falta de pré-requisitos para assimilar o conteúdo das disciplinas de graduação, baixa capacidade de raciocínio, pouca vontade de aprender, pouca dedicação ao curso, etc); esclareço ao leitor que sou um dos descontentes com respeito a algumas dessas características dos nossos alunos ingressantes. Enquanto seria natural manifestar esse descontentamento apontando a culpa para o vestibular, observo que a questão deve ser analisada mais a fundo antes de se chegar a conclusões. Listo abaixo algumas daquelas que poderiam ser as causas do problema em questão:

(a) alunos com as características que desejamos não existem em quantidades significativas (a ponto de, digamos, preencher as vagas de nossos cursos);
(b) alunos com as características desejadas existem em quantidades significativas, mas os mesmos não estão interessados em estudar na USP;
(c) alunos com as características desejadas existem em quantidades significativas e querem estudar na USP, mas nosso vestibular está deixando-os de fora (selecionando para nossos cursos aqueles que não possuem as características desejadas).

Observo que não estou dizendo que uma e somente uma das alternativas (a), (b) e (c) corresponde à realidade; é bem possível que a realidade seja melhor refletida por alguma combinação das alternativas (a), (b) e (c). Passemos a uma análise de tais alternativas.

Caso a alternativa (c) seja a mais próxima de refletir a realidade, então certamente a culpa deve ser apontada para nosso vestibular e a eficiência do mesmo mencionada no item (1) acima é muito pequena. Porém, caso a alternativa (c) não corresponda à realidade então devemos olhar para as alternativas (a) e (b), o que nos levaria a apontar a culpa para outras direções; além do mais, a busca de soluções para o problema não envolveria mudanças no vestibular. Por exemplo, caso a alternativa (b) seja verdadeira, então uma solução para o problema envolveria a criação de incentivos para que tais alunos adquiram interesse em estudar na USP. Caso a alternativa (a) seja verdadeira, então outro leque de opções é aberto:

(a1) os ensinos fundamental e médio não estão formando alunos da forma que deveriam, de modo a criar alunos com as características que desejamos em quantidades significativas;

(a2) as características que esperamos dos nossos alunos não são realistas.

Pessoalmente, acredito que a alternativa (a) e a subalternativa (a1) são as mais próximas de refletirem a realidade. A USP é uma universidade de grande prestígio no Brasil. Embora devam existir alguns grandes jovens intelectos que não estão interessados em estudar na USP (prefiram estudar em outras boas universidades brasileiras ou no estrangeiro), duvido seriamente que esse efeito seja significativo. Excluo então a alternativa (b). Custo também a acreditar que a alternativa (c) seja correta, o que será melhor justificado mais adiante no texto, na seção 1.

Foquemos então por um momento nossa discussão na alternativa (a). Embora eu admita que a subalternativa (a2) possa ser parcialmente verdadeira, tendo a duvidar que nossas expectativas sobre os alunos sejam tão irrealistas assim. Creio então que a subalternativa (a1) seja a principal causa do problema. Isso nos leva a apontar a culpa para os ensinos fundamental e médio. Voltaremos a essa questão mais adiante, na seção 2.

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Seção 1. a análise da eficiência com que o vestibular seleciona os alunos que queremos selecionar para os cursos da USP

Antes de começar tal análise, evidentemente devemos perguntar: "que alunos queremos selecionar para os cursos da USP?". A resposta que me parece mais razoável é: "aqueles que terão melhor desempenho nos cursos da USP" (caberia aqui a questão sobre se mudanças nos cursos da USP seriam desejáveis; no entanto, para fixar as idéias, suporei um cenário em que tais mudanças não serão consideradas). Essa primeira questão que estou colocando poderia parecer um tanto trivial para alguns, mas é bom observar que imbutidas nela estão as discussões relativas a cotas, ações afirmativas e questões sobre inclusão social em geral.

A idéia de admitir para a USP alunos que não tenham nenhuma condição de ter bom desempenho nos cursos da USP me parece insana e/ou irresponsável. Não sei se haveria alguém que gostaria de seriamente tentar defender uma idéia desse tipo. Por outro lado, se colocamos questões de inclusão social entre nossas metas, então faria sentido defender que devamos admitir alunos cujo desempenho na USP não será tão bom (deixando de fora então alunos que poderiam ter um desempenho melhor). Uma defesa racional desse tipo de política de ação afirmativa passaria por uma análise do tipo "preço a pagar"/"vantagens correspondentes". O "preço a pagar" por uma política desse tipo seria a de não termos na USP alunos tão bons quanto poderíamos ter sem essa política; a "vantagem correspondente" seria algum efeito positivo para a sociedade causado pela inclusão social. Eu acredito que tais políticas de ação afirmativa sejam inadequadas na seleção dos alunos para a USP pelas seguintes razões:

(i) o efeito positivo de inclusão social causado por uma política responsável de ação afirmativa (responsável no sentido que não permite alunos muito fracos na USP) seria ínfimo para a sociedade;

(ii) é possível obter as vantagens sem pagar o preço. A USP é uma universidade de pesquisa e tem como papel formar a elite intelectual do país. Diversas outras estratégias para promover inclusão social podem ser elaboradas que nos permitam continuar selecionando apenas os mais preparados para a USP. Entre essas estratégias, incluem-se: (ii.1) criação de outros tipos de curso superior que possam abrigar alunos que não são tão bem preparados; (ii.2) melhorar a qualidade do ensino fundamental e médio público; (ii.3) selecionar os melhores alunos das escolas públicas e dar a eles bolsas para estudar em boas escolas.

Para quem gosta de analogias futebolísticas: se fossem propostos critérios de escolha para os jogadores que participam da seleção brasileira de futebol que não fossem estritamente ligados ao possível desempenho nos jogos, nossa população ficaria tão descontente que teríamos algo próximo de uma guerra civil. Mas na hora de escolher os estudantes que formarão a "seleção brasileira" do mundo acadêmico, aparentemente não gera tanto descontentamento o fato de critérios não ligados ao mérito acadêmico serem usados para seleção. Isso me parece uma grande distorção.

No que segue, assumirei como premissa que os alunos que desejamos selecionar para a USP são aqueles que terão o melhor desempenho possível nos cursos da USP. Passemos então a analisar a eficiência com que o vestibular seleciona os alunos. Uma análise dessa questão poderia ser feita de forma completamente objetiva usando ferramentas estatísticas para analisar a correlação entre o desempenho dos alunos na FUVEST e o desempenho dos mesmos na USP. Não tenho posse no momento dos dados necessários para fazer uma análise nesse nível de profundidade. Farei então apenas uma análise mais superficial, baseada nas minhas experiências pessoais.

Acredito que exista uma correlação positiva muito alta (porém não perfeita) entre o desempenho de alunos na FUVEST a nos cursos da USP. Observem que, no mínimo, uma negação radical dessa última afirmação implicaria em conclusões um tanto estranhas, a saber: muitos dos melhores alunos que completam o ensino médio na cidade de São Paulo não consegueriam passar na FUVEST e estariam portanto estudando em outras faculdades existentes na cidade de São Paulo. Ora, mantendo conversas com professores de algumas faculdades particulares existentes na cidade de São Paulo, descobre-se que em algumas dessas faculdades pode-se encontrar alunos tão fracos que deixariam os docentes acostumados aos alunos da USP de cabelo em pé. Se não é o vestibular que está sendo bem-sucedido nesse processo de seleção, o que explicaria o fato de alunos da USP serem tão mais bem preparados do que os alunos de tais faculdades? Duvido que seja o ar do nosso campus.

Mas nosso vestibular não pode ser aperfeiçoado? Claro que pode. Proponho algumas direções em que tais aperfeiçoamentos podem ser feitos:

(a) quando elaboramos uma prova para medir determinados tipos de conhecimento e de capacidade de um dado grupo de alunos, devemos levar em conta que muitos alunos podem decidir treinar especificamente para ter um bom desempenho na prova, em vez de se dedicar a adquirir o tipo de conhecimento e capacidade que a prova pretende medir. No caso específico do vestibular, muitos cursinhos pré-vestibular focam todo o esforço em treinar os alunos para o vestibular e não em ensinar o conteúdo que o vestibular pretende medir (não menciono isso como uma crítica aos cursinhos, afinal os alunos pagam os mesmos esperando obter exatamente esse tipo de serviço). É dever dos que elaboram as provas do vestibular tentar ao máximo driblar aqueles alunos que estão se preparando especificamente apenas para um dado tipo de prova e não se preocupam em realmente adquirir conhecimento.

(b) Cursos diferentes podem demandar alunos com conhecimentos e capacidades diferentes. Deveria se olhar mais de perto para as necessidades específicas de cada curso, mantendo um diálogo constante com as unidades responsáveis pelos cursos. Já existem no momento diferenças nas provas da segunda fase da FUVEST e algumas provas de aptidação específicas na seleção para certos cursos. Talvez mais diferenças e mais provas de aptidão específica sejam necessárias nos processos seletivos para os diferentes cursos da USP.

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Seção 2. os ensinos fundamental e médio e a forma como o vestibular os influencia.

Atenção: está seção contém algumas afirmações fortes que podem gerar bastante descontentamento entre alguns leitores. No entanto, considero crucial para a melhora do nosso ensino que opiniões como as que exponho abaixo sejam tornadas públicas.

Preocupa-me bastante a forma como os ensinos fundamental e médio tem sido conduzidos no nosso país. Não apenas em pequenas escolas públicas de periferia, que enfrentam problemas básicos de infra-estrutura, mas também nas escolas particulares freqüentadas pela elite. Felizmente, não sou o único a me preocupar, porém, infelizmente, a sociedade está longe de manifestar o nível de preocupação com o assunto que deveria. O desempenho desastroso do Brasil em exames como o Pisa deveria servir como sinal de alerta. O problema com a educação brasileira não está apenas na falta de investimento, mas também no fato de termos delegado a responsabilidade sobre os ensinos fundamental e médio a profissionais que muitas vezes determinam estratégias educacionais a partir de idéias dogmáticas, em vez de estratégias mais racionais e científicas. No mínimo, há algo estranho no fato de que não existe uma boa harmonia de trabalho entre os teóricos do ensino e da educação e os cientistas e pesquisadores que de fato detém o conhecimento sobre os assuntos que serão ensinados. Muito pelo contrário: alguns teóricos da educação chegam a insinuar que tais cientistas atrapalham a educação com suas visões "conteudistas" do ensino.

Construtivismo é a última moda e não importa se não funcionar na prática. É o dogma do momento. Conteúdo está fora de moda. Avaliação é uma coisa careta. Cito aqui a título de exemplo um dogma popular entre alguns teóricos da educação que me parece completamente insano: "todos os seres humanos têm exatamente a mesma capacidade de aprendizado e para todos eles as mesmas técnicas de ensino devem ser aplicadas". As pessoas têm alturas diferentes, pesos diferentes, metabolismos diferentes, resistências físicas diferentes, mas o intelecto é exatamente igual para todos. Brilhante. Qualquer pessoa que já deu aulas deve ter percebido que alguns alunos tem mais facilidade (ou dificuldade) de aprender do que os outros e que alguns alunos aprendem melhor quando se explica de um jeito e outros aprendem melhor quando se explica de outro. Mas, para alguns teóricos do ensino, todos tem exatamente a mesma capacidade de aprendizado e todos aprendem exatamente da mesma forma. Durma-se com um barulho desses.

Parece-me que o vestibular da FUVEST é um dos poucos sistemas de avaliação no Brasil que resiste à influência das seitas pedagógicas. Vejam o ENEM, por exemplo: boa parte de suas questões são nada mais que trivialidades com uma roupagem politicamente correta. Pouca avaliação de conteúdo e conhecimento (e, ao contrário do que alguns diriam, essa redução na quantidade de conhecimento necessário para fazer a prova não está nem de longe sendo compensada por um aumento na quantidade de raciocínio necessário para fazê-la).

A USP e seu vestibular devem funcionar como luzes na escuridão que se encontra o ensino fundamental e médio brasileiro, resistindo à influência negativa proporcionada pelas seitas pedagógicas anti-conteúdo. Infelizmente, existe uma possibilidade de ocorrer agora exatamente o oposto: as últimas luzes que iluminam a ciência brasileira podem ser apagadas, deixando-nos na total escuridão.

Biografia Acadêmica: Ensino fundamental e médio no Colégio Dante Alighieri (completo em 1992); Bacharelado em Matemática no IME-USP (1996); Mestrado em Matemática no IME-USP (1998); Doutorado em Matemática no IME-USP (2000); Professor do Departamento de Matemática do IME-USP (2001); Livre-Docência (2005).

 

Vestibular e inclusão social

Prof. Dr. José Roberto Castilho Piqueira
Professor titular - USP

É uma questão recorrente na sociedade brasileira a associação que se faz entre grau de escolaridade e inclusão social, apesar de termos um Presidente de pouca cultura formal. Confunde-se, por falta de raciocínio científico mínimo, correlação com causalidade.

Não freqüentar uma universidade, qualquer que seja ela, não causa exclusão social e freqüenta-la, não necessariamente inclui a pessoa na engrenagem em movimento do mundo globalizado. Lula, Ronaldinho, Roberto Carlos (ambos) são muito mais inseridos socialmente do que qualquer professor do ensino médio ou fundamental, da rede pública.

E é justamente disso que quero falar. A Universidade pública brasileira possui recursos limitados e nosso país, sabidamente, é carente. Entretanto, a Universidade pública brasileira, com todos os percalços e com todas as atitudes no sentido de prejudica-la, amplamente conhecidas, resiste e é um dos orgulhos da sociedade brasileira, pelo patrimônio intelectual e científico que representa.

Como usar esses recursos limitados? Da maneira menos dispendiosa possível. Com alunos preparados a freqüentar os cursos escolhidos, com pouca evasão e com pouca reprovação, não por baixa exigência, mas por alta qualidade de ensino e de aproveitamento. Como selecionar esses alunos, então? Pelas suas qualidades intelectuais e psicológicas, da maneira mais justa e democrática possível. Criar regras casuísticas e atalhos parece preguiçoso e irresponsável.

O argumento de quem defende esse tipo de posição é que os pobres não têm boa escola, pois a escola pública é de má qualidade. Vejam a incoerência: os homens públicos, escolhidos pela sociedade para defende-la, admitem que a escola pública de ensino fundamental e médio é ruim e não se propõem a melhora-la. Melhor a demagogia de transmitir a impressão que isso é responsabilidade da Universidade pública.

Sou de uma geração que estudou na escola pública desde os seis anos de idade. O bem público me é familiar desde o primeiro dia que fui ao Grupo Escolar. No primário, no ginásio e no científico tive colegas pobres, remediados e ricos, brancos, negros e amarelos. Filhos de operários, ferroviários, médicos, engenheiros e pastores protestantes. Tudo se mesclava em uma escola gratuita e o que valia era a competência.

No ginásio, fui colega de gente morta pelo regime militar e de algumas pessoas cujo reacionarismo faria a extrema direita parecer comunista. Não tinha problema, estudávamos juntos, aprendíamos junto, jogávamos futebol juntos. Era a escola que incluía.
A Lei das Diretrizes e Bases, o pedagogismo que tomou conta da escola pública de ensino fundamental/médio e, principalmente o desrespeito à condição de professor levaram a escola pública ao estágio em que está.


Que estou propondo para a inclusão social? A recuperação das escolas públicas de ensino fundamental e médio. Não é recuperar prédios ou comprar computadores. É melhorar o salário dos professores e sua condição social. Assim, e só assim, serão atraídos bons e motivados profissionais para o exercício do ensino público.

Acredito no compromisso de ensinar a cada garoto que vai à escola a importância do bem público e como ele, com auto-estima e vontade, pode aproveitar o que o Estado lhe proporciona, para seu progresso pessoal. Alguns entrarão na Universidade pública, outros na Universidade privada, outros no mercado de trabalho, após o ensino médio.

Entretanto, resgatar-se-á a dignidade do ser humano e das crianças das camadas sociais mais baixas, que terão opções de inclusão sem passar pelo futebol ou pelo tráfico de drogas.
Confundir essa questão tão ampla e tão importante com algo tão restrito como o vestibular da USP é ignorar, conscientemente ou não, que o Brasil, a partir de 1968 jogou a educação pública no lixo. Nenhuma sociedade faz isso impunemente.

 

Se alguma coisa existe, ela existe em certa quantidade e pode ser mensurada: o valor preditivo dos Exames Vestibulares


Prof. Dr. José Aparecido Da Silva
Prof. Titular - Prefeito do Campus da USP - Ribeirão Preto USP

Há dias, os docentes da USP viram os seus e-mails serem sobrecarregados por inúmeras mensagens, relacionadas a um hipotético “manifesto” que veiculava virtualmente, no qual pessoas se posicionavam contrariamente a duas afirmações proferidas pela Pró-reitora de Graduação, acerca dos Exames Vestibulares (EV). As polêmicas afirmações da Pró-reitora foram: “a forma como o vestibular era feito até agora não dá certo” (...) “vamos passar a cobrar raciocínio e uma postura crítica com relação ao conhecimento e não acúmulo de informações”.

Refletindo sobre tais afirmações, bem como sobre a polêmica por elas ocasionada, depreender dois aspectos que julgamos fundamentais. Primeiro: a prontidão das várias áreas do saber da Universidade de São Paulo em discutir o assunto e, em segundo lugar, a diversidade opinativa individual, tanto cognitiva quanto emocional, manifesta em resposta às diferentes mensagens recebidas. Ou seja, alguns se exaltaram contra a grande quantidade de e-mails recebida que, por sobrecarregar as caixas postais, provocou um pedido exasperado de exclusão de seus nomes na lista circulante; enquanto que outros analisaram detidamente o teor do manifesto e as colocações da Pró-reitora, entendendo, de antemão, que o tema da discussão não possui respostas corretas, dicotômicas, do tipo sim/não ou certo/errado, mas sim respostas que só podem ser geradas após intensos e contínuos debates acerca de sua natureza, modelo, forma e função.

Assim esclarecido, entendo que ambas as colocações da Pró-reitora podem ser sumariadas por meio de duas questões que, usualmente, permeiam os processos de avaliação e/ou constructos de natureza psicológica. Primeira, quais são as dimensões e/ou fatores que devem compor os EV? Segunda, qual é o valor preditivo dos EV?

A primeira questão trata da dimensionalidade dos EV. Quantas dimensões cognitivas podem ser capturadas pelos EV. Principiemos, portanto, da definição do que é uma dimensão. Pense uma dimensão como uma linha numérica. Se quisermos mensurar o constructo, temos que decidir se este pode ser adequadamente mensurado com uma única linha numérica ou se é necessário mais que uma linha. Como exemplo para tanto, tomemos a altura. Ela é um conceito que é unidimensional, ou seja, pode ser representado unicamente por uma dimensão. Assim como ela, o peso e a temperatura também são unidimensionais.

Mas pense agora sobre o EV. Enquanto exame, prova, escala ou teste ele pode ter qualquer número de dimensões, embora a maioria tenha apenas poucas dimensões. Vá mais além e pense quais constructos cognitivos podem ser capturados pelos EV. À semelhança disso, pense sobre o conceito de inteligência, bem-estar subjetivo, qualidade de vida, personalidade, avaliação da excelência do ensino e/ou professor, da produtividade acadêmica e muitos outros similares. Se você achar que pode mensurar muito bem qualquer um desses atributos com uma simples régua, variando de baixo a alto ou de pouco a muito, então você, provavelmente, tem um constructo unidimensional.

Por outro lado, o que seria um conceito multidimensional? Muitos modelos de exames de admissão, entre eles os EV, postulam que as provas, ou os itens e questões, devem ser compostos pela avaliação de, no mínimo, duas dimensões: o conhecimento cristalizado, ou seja, todo conteúdo que é processado e sistematizado pelo pensamento, e a capacidade fluída, ou seja, capacidade de resolver problemas. Um exemplo típico de exame multidimensional é o SAT (Scholastic Assessment Test), que mede uma mistura destes dois constructos, a saber, habilidade e realização, ambos comumente aferidos em estudantes norte-americanos. A propósito, as correlações entre o SAT e os testes de inteligência geral são usualmente superiores a 0,70. Este modelo traz uma forte analogia com o modelo da estrutura do intelecto humano, baseado na tradição psicométrica descrito pela teoria da inteligência fluída e inteligência cristalizada.

A teoria da inteligência fluída e cristalizada distingue estas duas habilidades. A habilidade fluída é demonstrada pela solução de problemas para os quais experiência prévia e conhecimento aprendido são de pouco uso. Ela é mensurada por testes, provas e exames, tais como tarefas verbais, que repousam sobre relações entre palavras familiares, ou tarefas perceptuais ou figurativas, tendo pouco conteúdo escolástico ou cultural. Neste caso, o processamento cognitivo não está necessariamente associado com qualquer domínio de conteúdo específico. Ao contrário, a habilidade cristalizada reflete conhecimento consolidado ganho por meio da educação, acesso a informação cultural, bem como, através da experiência. É um processamento cognitivo que envolve conhecimento previamente adquirido e armazenado a longo prazo.

Certamente a habilidade cristalizada de um indivíduo origina-se com a habilidade fluída, mas ela é desenvolvida por meio do acesso e seleção de experiências de aprendizagem. Consequentemente, entre pessoas de contextos educacional e cultural similares, as diferenças individuais na habilidade fluída são supostas influenciar as diferenças individuais na habilidade cristalizada. Contudo, pessoas de diferentes contextos culturais, com o mesmo nível de habilidade fluída, são preditas diferir em habilidade cristalizada. Mas é certo que as funções fluídas desempenham um papel determinante em decodificar e em recuperar o conhecimento cristalizado armazenado a longo prazo.

Assim, entendo que a Pró-reitora, ao comentar rapidamente a necessidade de se cobrar raciocínio, certamente quis dizer que se torna necessário que os EV atuais, por melhor que eles sejam, passem a valorizar (talvez, mais do que o fazem) a habilidade fluída e não apenas a habilidade cristalizada como muitos, aparentemente, julgam que eles façam.

A segunda questão trata de um grande problema que ataca todos os exames vestibulares, ou seja, qual o seu valor preditivo. Por definição, qualquer modelo de EV é cultural, social e ideologicamente enraizado. Como indicadores, os EV têm, supostamente, a intenção de predizer o sucesso acadêmico e mesmo profissional numa dada sociedade (isto é, num grande grupo social carregando o seu próprio conjunto de valores). Certamente os EV foram originalmente designados para especificamente predizerem o desempenho e/ou realizações educacionais. Na realidade, todos que os defendem têm adotado a concepção da causalidade recíproca entre desenvolvimento cognitivo e educação. Altos índices cognitivos são preditivos de mais realizações educacionais e mais educação torna-se preditivo de altos resultados intelectuais. O problema é: quais dimensões e/ou fatores dos EV (questões de física, de química, de matemática, de português, de redação, ou um total composto, etc.) são mais preditivos, ou se correlacionam, mais altamente, com o desempenho acadêmico, ou que permitam melhor predizer o sucesso na carreira profissional. Também, questiona se qual o valor preditivo do EV para o sucesso na carreira e a sua relação (correlação) com o bem-estar-subjetivo.

Responder a estas questões constitui-se num grande desafio para aqueles interessados na mensuração de constructos psicológicos desta natureza e, principalmente, para aqueles envolvidos na elaboração do melhor processo seletivo para adentrar à academia. É óbvio que muitos outros fatores e habilidades contribuem para o desempenho e sucesso acadêmico e na carreira profissional. Mas, ainda assim, o problema é estatístico e resume-se em saber qual, dentre vários fatores, explica mais da variância encontrada. Nada mais. Para isso, deveríamos programar uma análise exaustiva do valor preditivo dos nossos exames vestibulares, procurando analisar suas correlações com vários critérios externos, sejam estes os desempenhos nas notas de diferentes disciplinas curriculares, bem como, com os indicadores de sucesso, valorizados em nossa sociedade e cultura.

Não há razão para complacência. Devemos procurar sempre os melhores preditores e tentar mensurar todas as variedades de habilidades que podem contribuir para o sucesso acadêmico e profissional. O aprimoramento dos EV deve ser dinâmico, regular e contínuo, no presente e no futuro. Assim, entendo que tem razão a Pró-reitora de graduação ao afirmar que devemos buscar novos modelos de EV, visando encontrar melhores preditores para o sucesso pessoal, profissional e acadêmico. Estudos desta natureza devem ser realizados com freqüência nos moldes daqueles desenvolvidos pelo Educational Testing Service (ETS) da Universidade de Princeton (USA).

Biografia acadêmica: José Aparecido Da Silva, nascido em 25 de setembro de 1952, é natural de Jaboticabal (SP). Mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP e Ph.D. pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, USA. Atualmente é Professor Titular do Departamento de Psicologia e Educação da FFCLRP-USP. Foi Chefe do Departamento de Psicologia e Educação, presidente da Comissão de Pós-graduação, e coordenador do Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, programa este conceituado com nota 7 (máxima) pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Foi, também, vice-diretor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Além disso, foi coordenador científico da área de Psicologia, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

Comparativo de Desempenho Acadêmico de Alunos USP com Notas FUVEST

Prof. Adilson Simonis e Profa. Eunice Durhan
NUPPs - Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas
- USP

SãoPaulo, 11 - 7 - 2006.
Propostas de alterações no processo vestibular devem, além de procurar mensurar consequências das medidas adotadas, considerar indicadores históricos para alguma comparação do que era e do que pode vir a ser o novo cenário. Em particular, o estudo do impacto nos indicadores do desempenho discente nos parece relevante.

Tem aparecido com frequência, na grande imprensa, a idéia de que candidatos ao Ensino Superior com notas de ingresso similares no vestibular, poderiam ter desempenho diferenciado caso fossem egressos do ensino médio público ou do sistema privado, justificando ações afirmativas bem-intencionadas.

Difícil sermos conclusivos sobre o tema. Nosso objetivo é o de fornecer subsídios para uma discussão que nos parece polêmica e que deve ser tratada com a seriedade que a sociedade brasileira exige. Apoiar ou não as iniciativas de quotas de ingresso e de projetos de inclusão social, tais como o favorecimento no processo seletivo das principais universidades do país, poderá ser um subproduto de um debate que por si só, trará certamente novas nuances e novas perspectivas, avançando políticas públicas para um ensino de qualidade a servico da sociedade.

A Universidade de São Paulo, hoje, organiza o principal vestibular do país e é, segundo diversos indicadores, a principal universidade de pesquisa . Portanto é obrigada a pensar e repensar a polêmica que hoje ocorre em diversos setores da sociedade. Sabemos que a qualidade do ensino fundamental e médio deixa muito a desejar, como demonstram os estudos recentes do INEP. A exclusão sócio-econômica-geográfica-étnica, a concentração da riqueza nacional nas mãos de poucos, a falta de oportunidades de ascenção, a violência das grandes cidades, assim como as próprias escolas, tem papel decisivo na criação e manutenção das desigualdades. A possibilidade de alteração desse quadro lamentável, que poderia diminuir com a formação de cidadãos plenos, são problemas nacionais, e portanto também são da USP.

Existem diversas metodologias, que podem ser aplicadas, para mensurar o desempenho acadêmico segundo a classificação no processo seletivo de entrada para a Universidade.

Ainda não sabemos se o aluno que recebemos na USP é o que queremos. Não sabemos se o vestibular mede o que pedimos que faça, isto é, escolher quem tem maior potencial de usufruir aquilo que está em constante evolução e que depende das novas gerações para manter o patamar de qualidade e importância que, por mérito, alcançou. Queremos que o processo escolha o melhor preparado mas não necessariamente apenas o melhor treinado.
Algum critério de favorecimento, como os atuais 3 % na primeira e segunda fase, válidos já para o próximo vestibular USP, irá excluir alguns que teriam entrado pelo processo antigo. Estamos bem-intencionados, não resta dúvida, mas a sociedade, que precisa ter retorno do investimento feito no ensino público de qualidade, não irá sair perdendo?

Vejamos alguns fatos: Cursos na USP são diferentes. Desde a nota de corte para ingresso até a forma de avaliação em disciplinas, diferem entre carreiras. Também difere por carreira o nível sócio-econômico dos alunos e a proporção de egressos do ensino médio público. O próprio ensino médio público tem nuances: os egressos das escolas técnicas federais e estaduais são certamente mais bem preparados que muitas escolas particulares, nas quais os professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem. Mas algumas observacõe estatísticas podem nos ajudar a entender o que vem ocorrendo sistematicamente.

Tomemos inicialmente um dos cursos da USP mais disputados, a Medicina. Fixando como escopo de estudo os 514 alunos ingressantes no curso de Medicina USP entre 2003 e 2005, temos 487 alunos que declaram terem feito o ensino médio em colégios particulares e apenas 27 em colégios públicos. A nota média no primeiro semestre destes alunos foi de 6,86 e 6,85 para egressos do ensino médio privado e público respectivamente.

Dado o pequeno percentual de alunos egressos do ensino médio público, criamos quatro faixas de classificação no vestibular (segundo os quartis de nota FUVEST para os egressos do ensino médio público) de forma a incluir alunos desse grupo em todas as faixas. Considerando as notas dos 514 alunos em todos os semestre até o segundo semestre de 2005 obtemos os seguintes resultados:

Faixa A: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,3
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,4
Faixa B: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,2
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,1
Faixa C: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,3
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,2
Faixa D: Nota média na USP dos egressos do sistema privado: 7,3
Nota média na USP dos egressos do sistema público: 7,3

Nota-se também que a média (que inclui as reprovações) dos alunos matriculados não aumenta conforme a faixa de classificação no vestibular (as faixas estão em ordem da maior nota -faixa A- para a pior nota -faixa D- obtidas no vestibular). Vamos, portanto, incluir outros cursos em nosso estudo: Direito, Letras, Matemática e Pedagogia.

Considerando um universo de 5386 alunos e calculando a nota média de todas as disciplinas cursadas até o final do ano de 2005, incluindo eventuais reprovações, temos:

Direito: 1330 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 7,4 e nota média do egresso do ensino médio público é de 7,4).
Letras: 2222 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 5,7 e nota média do egresso do ensino médio público é de 6,0).
Matemática: 836 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 5,1 e nota média do egresso do ensino médio público é de 5,4).
Medicina: 514 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 7,3 e nota média do egresso do ensino médio público é de 7,2).
Pedagogia: 484 alunos (nota média do egresso do ensino médio privado é de 6,9 e nota média do egresso do ensino médio público é de 7,0).

Trabalhando apenas com a média global, as diferenças são pequenas. Para uma visão mais detalhada, reproduzimos a metodologia de classificar segundo a nota Fuvest o aluno em quatro faixas e estudamos a nota média dos alunos da mesma faixa. Temos portanto 40 subgrupos de alunos, divididos em cada grupo segundo a procedência do ensino médio cursado, e calculamos a média obtida nas disciplinas cursadas dentro da USP desde o ingresso até o final do ano de 2005.

Entre os 40 grupos, em 39 não existem diferenças estatisticamente significativas entre o desempenho dos alunos egressos dos sistema público e privado. Apenas em um grupo, constituído por 171 alunos da matemática, existem fortes evidências estatísticas de que o desempenho do egresso do ensino público, com notas similares, supera em desempenho os colegas egressos do ensino médio privado. Um percentual de 97 % do universo estudado não permite afirmar que o desempenho difere.

A partir destes dados, podemos concluir que o nível dos estudantes egressos do ensino médio público na USP, escolhidos por mérito, têm o mesmo desempenho que os egressos das escolas privadas. A diferença entre ambos reside no fato de que um menor percentual de egressos do ensino público alcança o padrão mínimo estabelecido pela FUVEST para a seleção dos alunos, que é dada pela nota de corte.

Dentro destes limites, a variação da nota do vestibular influi pouco no desempenho dos estudantes. Um aumento na nota dos estudantes do ensino público significará uma variação na nota de corte entre esses candidatos e os do ensino privado, em favor dos primeiros, com o que é possível que se introduza uma diferença no desempenho desses dois grupos, que agora inexiste.

Para maiores detalhes sobre as estatísticas utilizadas no presente texto veja as tabelas nos arquivos que seguem anexo:
http://www.linux.ime.usp.br/~fdaher/desempenhousp

Colaborou neste trabalho Flávio Daher, aluno do IME-USP.

Biografia acadêmica: Primeiro ano no Colégio Santa Clara de Porto Alegre. Segundo e Terceiro ano no Colégio São João de Porto Alegre. Quarto Ano até a conclusão do ensino médio (antigo colegial) no Colégio Anchieta de Porto Alegre. Bacharel em Estatística pela UFRGS (1982). Mestrado e Doutorado em Probabilidade no IME-USP (1995). Pós-Doutorado no IMPA (RJ) e em Mecânica Estatística na Università de Roma II, Tor Vergata, (1998). Professor do IME-USP desde 1983 e Pesquisador do NUPPs desde 2005. Torcedor do Internacional de Porto Alegre desde julho de 1956.

segunda-feira, julho 10, 2006

 

Pequeno atraso

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