Prof. Dr.
Coordenador Executivo - Comvest - Unicamp
O Vestibular Nacional da Unicamp tem suas origens em 1985 quando o prof. Rubem Alves, então Assessor especial do reitor para assuntos de ensino enviou uma série de ofícios ao reitor da Unicamp sugerindo a formação de "uma comissão que se dedique a fazer estudos e apresentar sugestões de alternativas aos atuais exames vestibulares". Nesse ofício foi feito um diagnóstico cruel (e infelizmente ainda atual) do efeito nocivo que o vestibular vinha tendo sobre o ensino fundamental e médio. Vale a pena citar "a deformação do espírito científico, que depende da capacidade de fazer perguntas, mais que da habilidade de dar respostas, que convive com a dúvida" e também "A sua evidente injustiça social" e "A sua inutilidade".
Em 1986 foi criada a Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (COMVEST) e desde 1987 a Unicamp elabora e aplica seu próprio vestibular. Como peculiaridades, esse vestibular tem entre seus objetivos selecionar "estudantes capazes de expressar-se com clareza, organizar suas idéias, estabelecer relações, demonstrar capacidade para interpretar dados e fatos, elaborar hipóteses e dominar os conteúdos das disciplinas do núcleo comum do ensino médio". Note que o domínio dos conteúdos é a última das características desse perfil. Outro dos objetivos explícitos é "Interagir com os sistemas de ensino fundamental e médio e contribuir para o redirecionamento do ensino". Para conseguir alcançar esses objetivos foi preciso criar uma nova cultura que passou pelo estabelecimento de um novo modelo de vestibular.
Esse vestibular ocorre em duas fases, ambas puramente discursivas. A primeira fase consiste em uma redação elaborada a partir de uma coletânea de textos (que vale metade da prova) e questões muito elementares, em geral com formulação interdisciplinar. Desde 1999 a primeira fase é toda articulada em torno de um tema único. Passam para a segunda fase os candidatos que obtém pelo menos 50% da pontuação. Todos os aprovados fazem todas as 8 provas da segunda fase. As provas buscam privilegiar a leitura, a articulação de idéias e a expressão em lugar de conhecimento memorizado. Além disso o vestibular é aplicado em várias cidades do estado de São Paulo e em capitais de outros estados para atrair os melhores talentos do país para a Unicamp.
Com essa proposta, e com a contínua discussão interna dos resultados, há 20 anos o vestibular nacional vem mantendo a mesma proporção de egressos de escolas públicas entre os candidatos e entre os matriculados, em torno de 30 a 34%. Desde 2005 a Unicamp instituiu o PAAIS, o primeiro programa de ação afirmativa sem cotas em uma universidade pública do país. A face mais visível do PAAIS consiste na possibilidade de bonificação de estudantes que cursaram todo o ensino médio na rede pública com 30 pontos (na Unicamp as provas são padronizadas com a média valendo 500 pontos e um desvio padrão valendo 100 pontos) e entre esses os que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas com mais 10 pontos. Esse programa foi motivado por um estudo feito pela própria Comvest que mostrou que se dois candidatos empataram no vestibular, um deles egresso de uma escola pública e o outro de uma escola privada, aquele que veio da escola pública em média melhora mais seu desempenho do que o outro uma vez na Unicamp. Ou seja, no nosso entendimento, mesmo com os resultados positivos que já vinham ocorrendo, o vestibular não é o único elemento preditivo do desempenho dos estudantes de graduação na Unicamp e poderíamos melhorar em média o quadro discente incluindo outras variáveis e estimulando a diversidade.
Os resultados aferidos pelo PAAIS foram acima do esperado. Por um lado aumentamos de forma espetacular a participação de egressos de escolas públicas e de negros especialmente nos cursos mais concorridos. Por outro, após um ano de Unicamp, em 95% dos cursos a hipótese do PAAIS se confirmou, ou seja, os beneficiados melhoraram mais seu desempenho do que os demais. Mais que isso, em 55% dos cursos a média dos beneficiados foi superior à dos demais estudantes. Isso não ocorreu com nenhum programa de cotas adotado por algumas universidades brasileiras.
O PAAIS mostrou que é possível termos programas de inclusão social sem perdermos a qualidade dos estudantes (na verdade melhoramos a qualidade) e preservando a autonomia universitária. O PAAIS nasceu na Unicamp e foi aprovado pelo Conselho Universitário, órgão máximo da universidade. Parece-me que no atual debate nacional sobre inclusão social, o maior erro é buscar uma solução única decidida na câmara federal para todas as IES brasileiras. É preciso entender e respeitar as especificidades regionais e deixar que as universidades façam o que elas sabem fazer melhor: pensar.
Biografia acadêmica: Bacharel em Física (UFRGS, 1982), Mestre em Física (Unicamp, 1985), Ph.D. (Tel Aviv University, 1989). Desde 1991 trabalha no IFGW, Unicamp, onde atualmente é professor associado. Trabalhou como pos-doc no ISMRa (Caen, França) em 1990 e na École Polytechnique (Palaiseau, França) em 1993-1994. Publicou 49 artigos em periódicos indexados (Web of Science) em física de sólidos. Atualmente estuda semicondutores dopados com elementos das terras raras para aplicações em fotônica. Foi Coordenador de Graduação do curso de Física da Unicamp (2000-2001). É Coordenador Executivo da Comvest desde 2001.